Saindo do Chuí rumo ao Brasil
14/09/15 13:09Em 1989, o Brasil era bastante diferente de agora. E eu também. Ou melhor, nem tanto.
Naquela época, aos 24 anos, deixei o conforto da casa onde vivia com a família, no interior de São Paulo, com uma ideia maluca na cabeça: viajar Brasil afora, sem um tostão no bolso, contando com a sorte de conseguir bicos à beira da estrada, para ter o que comer e dormir, e com caronas para seguir adiante.
Entre vários apuros –sim, uma experiência como essa não é feita apenas de romantismo–, lembro de desembarcar, vindo de Brasília, em Uberaba, no Triângulo Mineiro. O sol estava quente, o asfalto parecia derreter e eu… não comia havia dois dias.
Após andar, ou melhor, me arrastar por alguns quilômetros, vi uma estrada de terra cercada por eucaliptos e decidi seguir por ela, que levava até uma fazenda de criação de gado. Estava disposto a qualquer tipo de trabalho por um prato de comida.
Logo uma grande nuvem de poeira surgiu no fim da estrada. Era carro, um Monza Classic verde escuro que parou. Do banco de trás, uma senhora de cabelos brancos abaixou o vidro elétrico, luxo à época, e perguntou: “Posso saber o que o senhor deseja?”
Expliquei minhas intenções e ela, após percorrer os olhos sobre mim e observar minha mochila, me orientou a seguir adiante, deu meia volta e desapareceu sob a nuvem de poeira.
Fui recebido por uma funcionária, Dolores, que tinha acabado de fazer o almoço. Ao ver um caldeirão com uma mistura de arroz, feijão e pedaços de carne, bem mineiro, nem aguardei o prato: devorei ali mesmo, com a colher que deveria ser usada para me servir.
“Rapaz, você tava com fome, hein?”, disse o administrador da fazenda, assustado e dizendo em seguida que tinha ordens de lhe dar alguma tarefa, ele então selou um cavalo e fomos recolher o gado no pasto.
Naquela tarde, senti uma sensação de liberdade que me marcou: cavalguei pelo pasto seco do inverno, seguindo os ensinamentos do seu Antônio de como recolher o gado.
Após passar a noite em um balcão da fazenda, comi um pão e tomei um copo de leite, agradeci aos amigos, que em nenhum momento indagaram de onde vinha e para onde iria, e desapareci na estrada de terra. Senti que os dois ficaram ali, me observando sumir na poeira, tentando imaginar as repostas para as perguntas que não me fizeram.
Hoje, 26 anos depois, (bem) mais velho, decidi repetir essa experiência. A ideia é me reencontrar com gostos, cheiros e visuais de um Brasil só possíveis nos grotões do país. E, se possível, com a sensação de liberdade vivida naquela tarde em que cavalguei por aquele pasto seco atrás do gado.
Levando comigo apenas uma mochila com algumas roupas, uma barraca com um saco de dormir e exatamente R$ 176,50 no bolso para iniciar esta viagem.
E enfim, às 11h do dia 14 de setembro de 2015, uma segunda-feira gelada, desembarco na pequena rodoviária de Chuí, no Rio Grande do Sul, que é onde começo minha longa viagem.
Pego minha mochila no bagageiro e começo a caminhar pela cidade em busca de uma lanchonete para um café. Checo minhas finanças e descubro que vou iniciar com um total de R$ 176,50. Compro um saco de pão de forma, duas latas de sardinha e algumas maçãs, para o lanche da estrada, abatendo mais R$ 25, me deixando exatamente com R$ 151,50.
Desço mais alguns quarteirões sentido ao sul da cidade, chegando na av. Uruguai, a última avenida brasileira, que chega até a BR 471. Já na BR, olho para direita sentido sul e vejo uma imensa placa transversal na rodovia, indicando que ali inicia-se a República Oriental Do Uruguai, volto os olhos para o norte, à esquerda, e uma outra placa diz “Bem-vindo ao Brasil”.
Por alguns minutos fiquei ali parado, observando aquela estrada vazia e silenciosa. Isso me fez imaginar a av. Paulista naquele momento, o centro nervoso de São Paulo, com seus pedestres apressados, carros disputando espaço com os ônibus, ônibus disputando espaço com os ciclistas, tudo isso ao som de buzinas e barulhos de motores acelerando.
Às 13h, sentindo o vento gelado vindo do litoral, resolvo, então, iniciar minha caminhada na BR 471, vazia e silenciosa, sem pressa de chegar a lugar algum.