Tchau, Guará
22/09/15 07:36Depois de cinco dias acampado ao pé do cânion Malacaia, na zona rural de Praia Grande (SC), o domingo (20) foi de ficar no bar da Dona Enir, numa roda de conversa com moradores das proximidades, o Sr Eneu Selau 70, com um chapéu de palha fumava um belo cigarro de palha, outro bebia uma cerveja, ao som da leve chuva que batia no telhado.
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As conversas ficavam quase todas no mesmo tema: os prejuízos na lavoura com toda aquela chuva, que, segundo eles mesmos, era rara. Me perguntei se eu era o responsável por trazer toda aquela água.
A chuva me impediu de ver os cânions, mas me deu a oportunidade de conhecer pessoas simples, que vivem de maneira simples, com uma filosofia de vida baseada em ter somente paz.
Na segunda (21), fiz meu café às 7h, coloquei o pão com atum para Guará e comecei a desmontar minha barraca e preparar minha mochila para partir no ônibus rural, que passaria ao meio dia. Meu destino era a cidade Cambará do Sul (RS)
Enquanto eu lutava com a dobra da lona, vi dona Enir brigando para apartar algumas cabeças de gado que ela cria, logo a frente do camping. Corri para ajuda-la e Guará foi junto, sem emitir um latido, com habilidade de quem sabia o que estava fazendo. Apenas correu junto aos pés do gado, o que ajudou a colocar a criação no rumo certo.
Voltei para a desmontagem da barraca. Guará ficou ali sentado me observando, como sempre fez, nunca latiu, comunicava-se apenas com seu olhar e abanava o rabo quando queria comer.
Depois de um tempo, ele se levantou e seguiu rumo à mata, de onde ele saiu na noite em que nos conhecemos. Não liguei, achei que tivesse ido atrás do gado.
Perto das 11h, com a mochila nas costas, me despedi da dona Enir Schimitt, do seu Toninho, seu marido, da Dani e do Luca, amigos que fiz nesses dias, e corri os olhos para a mata onde Guará havia entrado horas antes, tentando ver se ele estava por ali.
Comecei a caminhar pela estrada de terra. 10 metros a frente do camping, que leva o mesmo nome do Cânion, “Malacaia”, fica o ponto do ônibus. Chamei por Guará umas quatro vezes, mas nem sinal.
Enquanto o ônibus não vinha, fiquei ali observando a mata e assobiando. O silêncio foi perturbador, imaginei que ele deveria estar ali escondido, me observando partir e sem querer se despedir. Despedidas são dolorosas.
Há vinte anos trabalhando como fotojornalista na Folha, passei boa parte deste tempo viajando. Conheci muita gente, me despedi de muitas também. Sempre foi uma parte dolorosa e com Guará não foi diferente. Mas ele escolheu não se despedir. Antes de pegar o ônibus, abri minha última lata de atum e coloquei bem no lugar onde ficava minha barraca. Peguei o ônibus e fui embora aceitando sua vontade.
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