Velhos de BR
23/09/15 05:44Desembarquei do ônibus rural que me trouxe do camping Malacara, em Praia Grande, (SC), às 12h30 de segunda feira (21) e já fui direto para o trevo que dá acesso à estrada que sobe a Serra Geral, ligando à cidade de Cambará do Sul (RS).
Fiquei ali por quase uma hora. Percebendo a estrada completamente deserta, resolvi caminhar até a subida da serra, quem sabe tentar algum veículo. Ao iniciar a subida, vi um senhor com chapéu de palha cortando o mato na beira da estrada. Resolvi então chamá-lo e perguntar se ali conseguiria carona. Ao se virar, o reconheci. Era o senhor Eneu Selau, 70, que no último domingo estava no bar da Dona Enir, em Malacara. Ele também me reconheceu. Disse que ali era muito ruim. “Meu filho, aqui você não pega nem gripe”, exclamou ele sorrindo. Disse que uns oito quilômetros à frente tinha um restaurante de beira de estrada, da dona Nina, e que ali talvez eu conseguiria.
Imaginei -me subindo aquela estrada íngreme, com 15 quilos de mochila nas costas. Melhor seria eu ficar logo no começo da serra e esperar. Então subi uns 15 metros mais acima, onde tinha um recuo na estrada, e desci minha carga das costas.
Enquanto isso, o senhor Eneu continuou sua poda. Algum tempo depois, ele entrou em sua pick-up e desceu, indo embora. Eu apenas o observava, quando de repente, as luzes do freio acenderam e ele começou a dar ré, até o ponto onde eu estava, virou e disse: “entra aí, menino! Esqueci de fazer uma coisa lá em cima e te dou uma carona até o restaurante”.
Desconfiei que ele não havia esquecido nada e fez isso para me dar carona. No caminho, ele me deu um conselho: “olha, menino, se você quer pegar carona, tem que ficar em pontos movimentados, no meio da estrada ninguém para”. Eu sorri e pensei: ele está certo.
No restaurante, ele entra chamando pela dona Nina. Ela estava em um canto, fazendo um crochê. O restaurante estava vazio, já passava das 15h e o almoço já havia sido recolhido.
O senhor Eneu explicou de onde eu vinha e para onde queria ir e pediu para ela me ajudar. Ele se despediu de mim e retornou para Praia Grande.
Dona Nina, 55, ficou ali com seu crochê e foi então que lhe fiz um pedido estranho. Precisava do fogão dela para cozinhar um macarrão instantâneo.
“Meu filho, um homão deste tamanho não se sustenta com macarrão instantâneo. Vou mandar preparar um prato de comida. Só não tem carne”,disse ela. Eu aceitei, já pensado nas reservas de dinheiro.
Almocei e quando fui pagar ela então disse que era por conta. Disse com toda sua sabedoria que eu não conseguiria carona naquele dia e que deveria passar a noite por ali. Arrumou um quarto nos fundos do restaurante, onde passei a noite, já que o restaurante fica dentro do parque nacional da Serra Geral e é proibido acampar. Mais tarde, dona Nina mandou seu genro me levar um sanduíche. Sabia que eu estava com fome.
Ela com certeza percebeu que minha situação financeira não era boa e, por isso, não cobrou nada.
No dia seguinte, seu marido, conhecido como “Louro”, disse que a estrada continuava vazia e que eu precisaria passar mais uma noite ali, mas dona Nina se lembrou de um ônibus que vai para Caxias do Sul e que passa por ali todo dia perto das 10h.
Às 10h45, o ônibus do senhor Jose Pola, 60, para em frente ao restaurante e embarco para Cambará do Sul. O senhor Jose logo puxou conversa, dizendo que nunca deixou ninguém pra trás naquela estrada, enquanto subia a íngreme serra, com uma forte neblina.
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Desembarquei em Cambará do Sul às 13h45 e, ao perguntar o preço da passagem, o senhor Jose bateu no meu ombro e disse: “ por conta”. Peguei minha mochila e, ao me despedir ele, me deu um conselho: “vá para Caxias do Sul. Lá você consegue carona fácil” e arrancou seu velho ônibus no sentido Caxias do Sul.