As casas flutuantes do Rio Grande
05/10/15 07:06Já passava das 19h quando cheguei a Olímpia (SP), utilizando ainda da técnica de ficar próximo a uma quebra-molas. Consegui com que João Gilberto, 28, não o cantor mundialmente famoso, mas o serralheiro da cidade, que dirigia uma velha Brasília amarela, toda enferrujada e sem o banco do lado do carona. Ele retirou o assento para dar espaço às peças de metal que transporta.
Perguntei se ele conhecia o cantor. Ele disse que sim, mas que, cantar mesmo, nem debaixo do chuveiro. Seu negócio era soldar chapas de aço e portões.
Chegando na zona rural e às margens do grande lago, montei minha barraca na escuridão e apaguei.
No dia seguinte, ao abrir uma fresta na barraca para ver a paisagem, tomei um susto. Uma casa flutuava bem no meio da represa.
Me levantei ainda coçando os olhos e saí para ver de perto. Era mesmo uma casa flutuando no grande lago, eu não estava sonhando.
Fiquei ali por alguns minutos, tentando entender porque alguém faria uma casa e colocaria em uma represa?
Talvez o proprietário estava buscando ficar sozinho, e ter uma casa flutuante dificultaria qualquer pessoa de se aproximar. Talvez ele buscava não ser incomodado.
Percebi de longe um movimento de alguém, mas preferi não chamar, apesar da curiosidade em saber mais sobre como é morar no meio de uma represa.
Enquanto observava a casa, fui em um ponto de água onde existe uma ducha para um banho matinal. Percebi mais outras casas ao longo da represa. Parece ser uma nova moda no interior.
As pessoas estão cada vez mais buscando o isolamento. Morar no meio de um lago é uma forma de viver sem as perturbações da cidade, sem vizinho com som alto, carros na rua buzinado, sirenes. Ou até mesmo para se prevenir de assaltos, já que o assaltante terá de chegar de barco.
Uma outra vantagem é que, quando se estiver com fome, basta lançar uma vara e pescar o próprio alimento no quintal de casa.
Descobri com um pescador local, que as casas são de turistas, que vão passar o fim de semana na represa.
Desmontei a barraca e peguei a estrada de volta. Preciso chegar ao triangulo minero e o melhor caminho é seguir por uma vicinal que liga Guaraci a Barretos (SP).
Enquanto andava, escuto uma buzina. Olho para trás, era João Gilberto, o serralheiro da cidade –não o cantor famoso.
Ele havia retornado para terminar o reparo e me deixou cinco quilômetros à frente, bem na saída para Barretos, em outro quebra-molas, onde um ônibus de passageiros, que tinha muita aparência de ser clandestino, me levou até Uberaba.
Terminei meu 20º dia de viagem pelo país, refletindo sobre as casas flutuantes da represa do Rio Grande e sobre a reclusão cada vez mais das pessoas.