Maluco de estrada
08/10/15 06:20Depois de conseguir uma carona em um caminhão de ração a granel e deixar o Arraial de Desemboque (MG) no meu 24º dia de viagem pelo Brasil, consigo chegar a Sacramento (MG) e sigo na avenida sentido à rodovia para tentar a carona para o Norte do país.
No caminho, um homem sentado embaixo de uma árvore me pergunta para onde eu estou indo.
Logo percebo se tratar de um colega de estrada. Com ele, apenas um cobertor, uma jaqueta e, aos seus pés, duas garrafinhas de refrigerante e um doce de leite.
Pergunto seu nome e digo que estou indo para o Norte. Mauro Alves, 54, fala que quer ir para o litoral, que é da cidade de Franca (SP), do bairro Jardim Derminio.
Parei por ali e comecei a conversar sobre caronas e pedi para tirar algumas fotos dele, para minhas lembranças e para colocar no blog. Ele não se incomoda e até dá um sorriso.
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Prestativo, diz que para um cara como eu é fácil, que tenho boa aparência. Eu, então, pergunto como ele vai chegar até o litoral.
Mauro responde que não sabe, mas que vai de qualquer maneira. Ao mesmo tempo em que me responde, se levanta e começa a juntar suas poucas coisas, dentro de um cobertor, e segue sentido à rodovia MG-428. Eu pergunto se poderia acompanhá-lo, e ele apenas abana a cabeça positivamente.
Tento uma conversa para saber qual segredo de pegar caronas, ele começa a falar, mas logo troca de assunto.
“Rapaz, a coisa mais triste é um filho abandonar um pai”, diz ele já com os olhos lacrimejando, enquanto caminhava, segurando o cobertor nas costas como uma trouxa.
Percebo que o assunto é delicado, tento desconversar para não trazer mais dor a sua ferida. Ele até entra na minha conversa, mas logo fecha a mão e bate no peito. “Temos que ter fé, né, irmão?”, diz ele, de novo com os olhos lacrimejados.
Eu entro na conversa e pergunto se sua família sabia onde ele estava. Ele muda de assunto e me pergunta para onde eu vou.
Durante alguns quilômetros, fomos conversando e até conseguimos dar algumas risadas sobre nossas aventuras de estrada.
Conto que tive que suportar granizo e frio no Sul, e ele então diz que teve sua barraca apreendida, mas não sabia dizer quem pegou. Eu me ofereço de descobrir e recuperá-la, mas ele se recusa.
Ofereço então para ajudá-lo a pegar alguma carona, e novamente ele recusou.
Na verdade, Mauro não queria ir a lugar algum. A estrada para ele é um refúgio.
Ele se cala e não responde mais às minhas perguntas, segue em silêncio. Percebo que ele quer ficar sozinho e então digo que vou atravessar a pista, e falo para ele ir com Deus.
Mauro fecha mão, bate no peito e diz “Deus está com você irmão, vai na fé”.
Atravesso e sigo o caminho contrário, já que o destino dele é diferente do meu.