Uma carona não autorizada
09/10/15 06:45Depois de deixar o andarilho Mauro seguir seu caminho para o Sul, eu segui para o Norte na MG-428, próximo de Sacramento (MG). Resolvi não pegar carona também e segui a pé, para refletir sobre as coisas da vida.
Andei por cerca de duas horas, sem ideia de quantos quilômetros isso deu, mas senti que havia feito algo errado. Não encontrei posto, a água na garrafa secou e o sol castigava minha testa.
Foi quando vi um caminhão encostado bem do meu lado da pista. Achei ali uma boa oportunidade de conseguir uma carona, ao menos até o posto mais próximo.
Ao me aproximar, vi o motorista deitado embaixo do caminhão, e perguntei se estava tudo bem, se ele queria ajuda. Ele, meio assustado de ver alguém com uma mochila nas costas chegar de repente, disse que estava tudo bem, só a mangueira do ar que havia soltado.
Fiz cara de quem trabalhou na autorizada da Volvo, a marca do caminhão, e perguntei se ele gostaria que eu desse uma olhada. “Não precisa, já encaixei”, disse.
Aproveitei que ele se levantou e me apresentei. Disse que precisava de uma carona, mas ele foi categórico: “ amigo, a empresa proíbe caronas”.
Resolvi insistir, diante do meu cansaço e da sede, mas ele caminhou para a frente do caminhão e disse que infelizmente não poderia me ajudar.
Enquanto ele subia na cabine, perguntei se ele tinha um pouco de água para me dar. A porta continuava aberta e, depois de um silêncio de alguns segundos, ele desceu e disse que me levaria até aproxima cidade. “ Mas reza para não acontecer nada, senão sou demitido”, afirmou.
Ao embarcar, eu perguntei há quantos anos ele estava estrada. Ele disse que há mais de 15.
Perguntei se já havia acontecido alguma coisa grave. Ele respondeu que não. “Então não vai ser desta vez, acredite em mim”, eu retruquei.
A carona, que era apenas para a próxima cidade –Araxá (MG), cerca de 85 quilômetros– acabou se estendendo até Pirapora (MG), 490 quilômetros a diante.
Ele disse que me deixaria um pouco antes de Pirapora e fomos conversando. Pedi para tirar fotos da estrada, para meu registro e para o blog que escrevo, ele só disse para que não mostrasse o caminhão.
Perguntei seu nome e ele disse “Berto”, e que poderia colocar no meu trabalho sem problemas. “Afinal, Berto tem um milhão na estrada, né?”, disse ele sem medo de ser reconhecido.
Fomos conversando sobre tudo, a vida de caminhoneiro, as dificuldades, os acidentes, futebol e, claro, mulheres.
Berto, disse que é casado há 20 anos. Afirmou que a mulher não era mais virgem quando se conheceram, mas que ele aceitou porque gostava muito dela. Hoje eles têm uma filha de 10 anos.
Na chegada a Pirapora, antes de desembarcar, me despeço dele falando um trecho da música de Tim Maia.
“Berto, o mais importante na vida “é ser feliz por ser amado por alguém”.
Desembarco em Pirapora, no fim de tarde, no meu 25º dia de viagem pelo Brasil.