Visitando o Velho Chico na UTI
11/10/15 05:59Ao desembarcar próximo Pirapora (MG), na noite de 8 de outubro, recebo uma mensagem da redação da Folha informando que eles estavam enviando uma verba para me ajudar na alimentação e possivelmente em alguma pensão, caso não encontre lugar para acampar.
Agora não preciso mais procurar emprego para sobreviver. É só seguir com as caronas.
Consigo uma com um vendedor de roupas, até o centro da cidade. Ao saber que estava indo para Pirapora, ele logo diz: “você vai visitar o Chico na UTI?”
Ele estava se referindo ao rio São Francisco, que, com a seca, agoniza em seu leito.
E não era exagero de morador local. No dia seguinte, ao conseguir um lugar para acampar, fui direto para a ponte velha de ferro, que atravessa todo o rio.
Com o nível baixo, é possível ver as pedras que normalmente ficam submersas e o mato toma conta de onde antes apenas água escorria.
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O velho barco a vapor, Benjamim Guimarães, que em dias de cheia navegava com turistas pelo rio, hoje tenta sobreviver ancorado, com uma apresentação da orquestra sinfônica jovem , tocando “sinfonia do Velho Chico”.
Era linda, porém, ao ver a apresentação no sábado à noite, parecia uma música de Réquiem, música normalmente feita para os mortos, com o velho Chico ao fundo, silencioso. Vejo algumas mulheres com lágrimas nos olhos.
Tive a impressão de que tocavam no leito de morte de um dos rios mais importantes do Brasil, que nasce na minha região, a Serra da Canastra (MG), e sobe o Brasil para desaguar na cidade de Piaçabuçu (AL).
O pescador Gilberto Lima, 52, que pesca no São Francisco desde os 12 anos, fala assustado: “menino, há dois meses atrás eu passava pelo rio sem molhar a canela, eu nunca vi isso”.
Enquanto a sinfônica jovem tocava no sábado à noite em Pirapora, para sobreviver à seca do rio São Francisco, um temporal atingia a região central do Sul do país, alagando muitas cidades.
O velho Chico está morrendo, antes mesmo de despejar suas águas doces no salgado oceano Atlântico.