Morte e vida Virgulino
18/10/15 07:35
Uma moto, dois carros e uma caminhonete me levaram de Feira de Santana (BA) até a cidade de Piranhas (AL). Na última carona, fui alertado pelo motorista de que a cidade foi palco de uma das emboscadas mais conhecidas do Brasil, causando a morte do mais famoso cangaceiro brasileiro: Vigulino Ferreira da Silva, o Lampião.
Fiquei curioso e saí da rota inicial, que era ir para Canindé do São Francisco (SE), na região de Cânions do São Francisco, para ir a Piranhas.
Cheguei no fim de tarde na cidade, acampando nas margens do velho Chico.
Logo na entrada, vê-se que ali é berço do cangaço: a delegacia leva o nome do Tenente João Bezerra, um dos oficiais que ajudaram na emboscada ao cangaceiro e seu bando. Logo mais abaixo, a pousada Maria Bonita disputa turistas com a pousada Lampião.
O primeiro morador que encontro bem na praça central é justamente Lampião. Eu brinco com ele, dizendo, “mas rapaz, você não está morto?”. Ele ,em sotaque bem nordestino, responde: “Aqui em Piranhas, Lampião nunca morre”.
Na verdade, era Fábio Moura, 33, ator e único autorizado pelo sindicato dos artistas a se vestir exatamente com a indumentária de Lampião. Ele é um guia responsável por levar turistas na trilha do cangaço –o local da emboscada, onde Lampião e seu bando foram mortos e decapitados.
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Ao andar pelo centro histórico, observo por uma janela de uma das casas uma mulher cortando o cabelo de um homem.
Resolvo encostar e puxar conversa. Eulina Bezerra dos Santos, 37, cortava o cabelo de seu marido, José Cordeiro, 88. Nas paredes da casa, retratos de Jesus e de Padre Cícero.
Cordeiro, que não enxerga muito e quase não ouve, conta que no dia da morte de Lampião foi proibido por seu pai de sair de casa, já que as cabeças do cangaceiros estavam expostas na escadaria (onde hoje funciona a prefeitura da cidade).
Ao ir embora, depois de longas histórias sobre o cangaço, Cordeiro me dá um conselho: “Meu filho, você conhece casca de angico?” Eu respondo que não, então ele me recomenda tomar uma cachaça com angico na venda ao lado.
Eu olho para a mulher, que está sem graça, e pergunto se esta bebida é um fortificante. Ela, sorrindo, diz que sim.
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Resolvi refazer a rota da volante (nome dado a um grupo militar) que cercou os cangaceiros e peguei uma carona no catamarã São Francisco, junto com um grupo de cerca de 11 turistas. Descemos por 20 minutos de barco rio abaixo, e depois mais 30 minutos andando no meio da caatinga até chegar ao local da batalha, conhecida como “Grota de Angicos”, do lado de Sergipe.
Na chegada, um silêncio toma conta dos turistas e logo a guia que nos acompanha, começa a narrar a batalha.
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Era 27 de julho de 1938, a volante do Tenente João Bezerra e do Sargento Aniceto Rodrigues da Silva chegou às 5h da manhã durante uma madrugada chuvosa, ocultado assim qualquer ruído dos soldados que abriram fogo contra os cangaceiros. Eles, que ainda dormiam, não puderam reagir no meio da caatinga
Mesmo após 77 anos, o lugar ainda tem marcas da batalha: buracos de bala ainda estão a mostra nas rochas e duas cruzes marcam o local exato da morte de Lampião e de Maria Bonita.
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Virgulino Ferreira da Silva nasceu em Serra Talhada (PE), está enterrado em Aracaju (SE), mas vive em Piranhas (AL).
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