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Maluco de BR

Andanças pelas estradas do país

Perfil Joel Silva é fotojornalista na Folha

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Quebra-molas de capacete

Por Joel Silva
04/10/15 08:14

Depois de fazer o reparo na alça da minha mochila, que arrebentou no dia anterior, em Osvaldo Cruz, decidi pegar a estrada. Chego ao meu 19º dia de viagem, desde o Chuí (RS).

Usando uma estratégia conhecida, parei bem em frente a um quebra-molas, na saída da cidade. Funcionou rápido e, em 15 minutos, o primeiro caminhão que teve que parar para passar pela lombada abriu a porta perguntou pra aonde eu iria.

Disse que poderia me deixar o mais perto de Olímpia (SP). Ele então mandou subir. Me apresentei, e ele disse seu nome: “Osinaldo dos Santos, mas pode me chamar de Quebra-molas”. Achei aquilo engraçado, já que eu o abordei bem em um.

Um sujeito engraçado, falante e que usava um capacete de segurança na cabeça. Dizia que era para se proteger do sol. É pernambucano, mas não respondeu de qual cidade. Disse apenas que era do interior.

Eu  disse que estava indo para o interior de Pernambuco, mas antes passaria pelo triangulo mineiro. Ele, muito prestativo, pegou o rádio do caminhão e começou a chamar outros motoristas, com os mais variados apelidos de estrada.

“Roda preta, no QAP? Chumbinho, no QAP? Rasta gata, no QAP? E assim por diante. Disse que tem uma rede de amigos na estrada e que iria me ajudar com uma carona de Uberlândia até Pernambuco, caso eu quisesse.

 

Osinaldo dos Santos, conhecido como Quebra-molas, em seu caminhão que tem rádio amador.  (Foto Joel Silva / Folhapress.)

Osinaldo dos Santos, conhecido como Quebra-molas, em seu caminhão que tem rádio amador (Foto Joel Silva / Folhapress)

Achei aquilo interessante, mas disse que não saberia o dia certo que estaria em Uberlândia. Então, ele chamou o Irmão, que estava em um ponto de frete, normalmente usado por caminhoneiros para pegar cargas e que fica em um posto, próximo de Uberlândia.

Ele passou meu nome e disse que, caso quisesse, era só chegar lá e dizer que era amigo do “Quebra-molas”.

Ao longo da viagem, paramos para um almoço. Ele perguntou se  eu sabia cozinhar. Respondi que sabia o básico. Ele, então, abriu o baú que fica abaixo da carroceria e me pediu para fazer o arroz, enquanto ele preparava um cozido de carne.

 

Osinaldo dos Santos (de capacete) ao lado de seu filho  Romário dos santos e de seu amigo Benevides da Silva ( camisa azul) durante almoço em beira de rodovia , próximo  a cidade de Osvaldo Cruz, (SP)  . (Foto Joel Silva / Folhapress).

Osinaldo dos Santos (de capacete) ao lado de seu filho Romário dos santos e de seu amigo Benevides da Silva ( camisa azul) durante almoço em beira de rodovia , próximo a cidade de Osvaldo Cruz, (SP) (Foto Joel Silva / Folhapress)

Neste momento, chegaram outros caminhoneiros que vivem na mesma cidade que Quebra-molas. Eles se juntaram ao almoço.

Uma hora depois já estávamos na estrada, agora em um comboio de três caminhões que seguiam para o mesmo destino: o interior de Pernambuco.

Quebra-molas não reclama da estrada, acha que estão boas, mas, com o aumento do combustível, já calcula o prejuízo naquela viagem. Diz que ser caminhoneiro não está mais valendo a pena. Ele que está há 20 dias sem ver a mulher.

Minha carona termina próximo à cidade de Olímpia, interior de São Paulo. Ele me deixou bem no quebra-molas da entrada da cidade. Agradeci a carona e ele seguiu.

Ao desembarcar, apoio minha mochila em uma arvore de eucalipto, próximo ao acostamento, e percebo uma frase escrita em seu tronco.

“Passei aqui pra dizer, volta pra casa, Jesus te ama”. Não achei que fosse pra mim.

 Frase  deixada em arvore de eucalipto próximo a cidade de Olímpia, Sp  .( Foto Joel Silva / Folhapress. )

Frase deixada em arvore de eucalipto próximo a cidade de Olímpia, SP (Foto Joel Silva/Folhapress)

 

 

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O desgaste da viagem chegou

Por Joel Silva
02/10/15 07:02

Após trabalhar por dois dias na fazenda Santa Lúcia da  Serra,  na cidade de Mauá da Serra (PR), e levantar R$ 200, fui para a BR-376.

Sem muita dificuldade, consegui carona com um caminhão carregado de sacos de batata.  O motorista, Jose Ferreira, 65, iria descarregar em Presidente Prudente e, com isso,  ganhei uma carona longa.

No caminho, ainda me ofereci para trabalhar como chapa na descarga do produto.  Normalmente, um chapa ganha em torno de R$ 90 por descarga, mas ele pechinchou e acabei aceitando trabalhar por R$ 70.

Depois de descarregar o caminhão e aumentar meu orçamento pra R$ 270,  Ferreira me deixou na rodovia SP-425, mas tive de caminhar por quase cinco quilômetros debaixo de um sol quente até chegar em um posto de gasolina,  onde  logo estaria embarcado em outro caminhão, que me deixaria na cidade de Osvaldo Cruz (SP).

 

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caminhando pela SP 425, próximo a cidade de Presidente Prudente (SP) ( Foto Joel Silva / Folhapess)

Às 18h, desembarquei na beira da rodovia. Porém,  ao descer do caminhão, a alça da velha mochila (que me acompanha desde o dia 13 de setembro quando iniciei esta viagem no Chuí, RS) rompeu, mostrando que ela não resistiu.

Assim como a mochila, o corpo também acusa o desgaste. Uma dor aguda no meu ombro esquerdo mostra que os 15 quilos de bagagem que carrego pesaram também para mim, incomodando toda vez que tenho que levantar para colocar nas costas. A sorte é que trouxe  um  relaxante muscular, o que alivia um pouco  a dor.

 

Buraco na alça de apoio da velha mochila que se rompeu. ( Foto Jole Silva/ Folhapress)

Buraco na alça de apoio da velha mochila, que se rompeu ( Foto Joel Silva/ Folhapress)

Parado ali no meio da rodovia e sem muito o que fazer, entrei na pequena cidade de Osvaldo Cruz. Era zero a chance de encontrar alguma oficina de sapataria aberta, para o pequeno conserto.   Zero também era a chance de achar algum camping para eu passar a noite.

Sem saída, o jeito foi encontrar um hotel barato para passar a noite, gastando R$ 50 em um minúsculo quarto, mas com um banheiro, para um banho gelado e aliviar o ardido do sol quente que tomei ao longo da estrada.

Para quem precisa economizar cada centavo, gastar R$ 50 em um hotel sem estrelas na porta é um verdadeiro luxo.

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Devoto de São Josafat

Por Joel Silva
01/10/15 07:32

No domingo (27),  após sair de uma missa cantada no idioma ucraniano na igreja de São Josafat, em Prudentópolis (PR), e de ter feitos meus pedidos por um trabalho em português, encontro com o guia Fabio. Ele me convidou para um almoço na casa de um amigo que assava uma bela costela.

Impossível recusar, ainda mais com minhas finanças entrando no volume morto.

Fabio me convence de que pegar carona naquele domingo chuvoso era uma fria. Ele, então, resolve ir comigo de ônibus até Ponta Grossa (também no Paraná), onde ele tem muitos amigos e conseguiria algum trabalho para mim. Isso fez com que eu gastasse  mais R$ 11 de passagem.

Enquanto eu caminhava para a rodoviária, chega uma mensagem no meu celular de um amigo de São Paulo, informando que tinha um trabalho temporário em uma fazenda perto de Mauá da Serra. Ele já enviou, por mensagem, os contatos do fazendeiro. Descubro com Fabio que a cidade é bem perto de Ponta Grossa,  o que me animou muito.

Ao desembarcar em Ponta Grossa, já à noite, um temporal caía sob nossas cabeças. Fabio ligou para um casal de amigos para nos resgatar na rodoviária. Como estava tarde,  eu resolvi que gastaria mais R$ 35 em uma  pensão, na esperança de conseguir o trabalho na tal fazenda.

Liguei para Júnior Senedesi, dono da fazenda,  e  expliquei minha situação, dizendo que estava viajando pelo Brasil de carona e que precisava de um trabalho temporário. Ele, então, perguntou o que eu sabia fazer. Eu disse que fazia de tudo. “Então venha porque aqui tem de tudo pra você fazer”, ele respondeu.

No dia seguinte, fui para a BR -376 bem cedo e em três caronas quase que consecutivas. Cheguei às 13h na pequena vila chamada Bairro dos França, bem perto da fazenda Santa Lúcia da Serra,  onde o  funcionário Gildo Braniak me pegou.

A fazenda de fato tinha de  tudo:  cavalos, gado, búfalos, carneiros, cabrito, galinhas, patos, peixes, cachorros e uma bela vista, onde montei minha barraca.

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A lua me fazendo companhia no  Acampamento montado na  Fazenda Santa Lúcia da Serra, no município . Foto (Joel Silva / Folhapress.)

A lua me fazendo companhia no Acampamento montado na Fazenda Santa Lúcia da Serra, no município Mauá da Serra (PR) . (Foto Joel Silva / Folhapress.)

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Ao amanhecer a lua continuava ali, bem do lado do acampamento montado na  Fazenda Santa Lúcia da Serra, no município .( Foto Joel Silva / Folhapress).

Ao amanhecer a lua continuava ali, bem do lado do acampamento montado na Fazenda Santa Lúcia da Serra, no município de Mauá da Serra (PR). ( Foto Joel Silva / Folhapress).

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No dia seguinte, meu primeiro trabalho foi organizar um galpão com madeiras e sacos de ração para os carneiros.  Gildo, o encarregado da fazenda, é um homem simples educado. Ele me ensinou um pouco de como é viver no campo, onde mora com sua mulher, Inês, e seu filho, Gabriel, de 9 meses  de vida.

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  Gildo Braniak, 34, administrador  da  Fazenda Santa Lúcia da Serra, no município . (Foto Joel Silva / Folhapress.) **

Gildo Braniak, 34, administrador da Fazenda Santa Lúcia da Serra, no município de Mauá da Serra, (PR) . (Foto Joel Silva / Folhapress.) **

Ao meio dia, José Senedesi Júnior chegou e me chamou para sua varanda, onde preparava um churrasco.  Ele queria saber mais sobre essa ideia maluca de andar pelo Brasil e, com isso, me tirou do trabalho por algumas horas.

À tarde, um caminhão com algumas cabeças de gado chegou para desembarcar e embarcar búfalos. Foi divertido, apesar de os animais serem difíceis de lidar.

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 Búfalos    na  Fazenda Santa Lúcia da Serra, no município  Mauá da Serra, (PR). ( Foto Joel Silva / Folhapress.)

Búfalos na Fazenda Santa Lúcia da Serra, no município Mauá da Serra, (PR). ( Foto Joel Silva / Folhapress.)

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Amanhecer  na  Fazenda Santa Lucia da Serra, no município de Mauá da Serra, (PR) .( Foto Joel Silva / Folhapress.)

Amanhecer na Fazenda Santa Lucia da Serra, no município de Mauá da Serra, (PR) .( Foto Joel Silva / Folhapress.)

E, durante dois dias, ganhei comida, lugar para acampar com uma bela vista da fazenda, amigos e R$ 200 no saldo financeiro. Ainda aprendi a lidar com búfalos.

São Josafat,  mesmo em português,  atendeu meus pedidos. Virei  devoto.

 

 

 

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Viajando pelo Brasil, conheci a Ucrânia

Por Joel Silva
28/09/15 06:35

No meu 13º dia de viagem, cheguei a pequena cidade de Prudentópolis (PR). Na tentativa de arrumar algum trabalho, fui para a praça central e sentei em um banco. Já passava das 8h mas a praça estava ainda um pouco vazia.

Ao lado, dois senhores conversavam em um idioma que não consegui identificar. Foi quando um homem, que se sentava no banco mais próximo a mim, e falando em português ao telefone, percebeu minha curiosidade.

Ao desligar, se aproximou e, vendo minha mochila, perguntou se eu era mochileiro. Eu disse que estava aprendendo a ser, mas que estava apanhando da estrada. Ele então começou a rir e disse que seu sonho era pegar a estrada também e que um dia faria isso.

Eu então perguntei que idioma os dois velhos falavam e ele explicou que 75% da população daquela cidade era descendente de ucranianos e que muitas tradições ainda eram mantidas. Uma delas é a missa cantada em ucraniano, que ele disse que eu deveria assistir na igreja São Josafat, templo típico bem ali perto. Ele explicou ainda que a missa cantada é, como a própria palavra diz, é em forma de canto e dura duas horas, diferentemente da convencional, que dura cerca de 40 minutos.

 

  Fieis ucranianos, assistem missa, cantada em idioma ucraniano na Igreja católica no estilo bizantino,  São Josafat  na região central da cidade de   de Prudentópolis, PR  (Foto Joel Silva / Folhapress.)

Fieis ucranianos, assistem missa cantada em idioma ucraniano, na Igreja católica no estilo bizantino, São Josafat, região central de Prudentópolis, PR (Foto Joel Silva / Folhapress.)

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Altar da igreja católica no estilo bizantino,  São Josafat  na região central da cidade de   de Prudentópolis, PR  (Foto Joel Silva / Folhapress.)

Altar da igreja católica no estilo bizantino, São Josafat na região central da cidade de de Prudentópolis, PR (Foto Joel Silva / Folhapress.)

Fiquei curioso, mas disse que precisava arrumar um trabalho e um lugar para acampar. Ele disse que iria almoçar e que depois iria para zona rural, onde existem as comunidades faxinais e lá teria bastante espaço.

Os faxinais são descendentes de ucranianos que dividem a mesma terra para a criação de animais, que vivem soltos, e do plantio –basicamente trigo.

A região é a que mais concentra número de igrejas típicas ucranianas, e muitas das missas são feitas no idioma.

 

.  Igreja católica estilo bizantino, ucraniana em comunidade Faxinal,   na zona rural de Prudentópolis, PR . (Foto Joel Silva / Folhapress.)

Igreja católica ucraniana estilo bizantino, São Miguel Arcanjo, em comunidade Faxinal, na zona rural de Prudentópolis, PR . (Foto Joel Silva / Folhapress.)

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Interior da  Igreja católica no estilo bizantino,  São Miguel Arcanjo, na comunidade Faxinal de Nova Galícia,  na zona rural de Prudentópolis, PR . (Foto Joel Silva / Folhapress.)

Interior da Igreja católica no estilo bizantino, São Miguel Arcanjo, na comunidade Faxinal de Nova Galícia, na zona rural de Prudentópolis, PR . (Foto Joel Silva / Folhapress.)

Achei isso curioso e perguntei se ele me daria uma carona para esta região. Ele então se apresentou. Fábio Ravanello, 31, disse que trabalha como guia de turismo na cidade. Descobri então o porquê de ele conhecer tão bem a cultura local, sendo ele um dos poucos que não é descendente de ucranianos.

 

Criança brinca  em comunidade  faxinal  Faxinal na zona rural de Prudentópolis, PR . (Foto Joel Silva / Folhapress. )

Criança brinca em comunidade faxinal Faxinal na zona rural de Prudentópolis, PR . (Foto Joel Silva / Folhapress. )

 

 Gado em frente a casa tipica Ucraniana  em comunidade Faxinal na zona rural de Prudentópolis, PR . (Foto Joel Silva / Folhapress.)

Gado em frente a casa tipica Ucraniana em comunidade Faxinal na zona rural de Prudentópolis, PR . (Foto Joel Silva / Folhapress.)

 

   Porcos criados soltos em sistema Faxinal,  em comunidade Faxinal na zona rural de Prudentópolis, PR . (Foto Joel Silva / Folhapress. )

Porcos criados soltos em sistema Faxinal, em comunidade Faxinal na zona rural de Prudentópolis, PR . (Foto Joel Silva / Folhapress. )

Fábio, imaginando que mochileiros nunca têm dinheiro e que era o meu caso, ofereceu de pagar o almoço no restaurante de um amigo, e eu não fiz a menor questão de recusar, aceitei logo. A fome nos deixa mal-educados.

Depois do almoço, ele me levou para uma destas comunidades, conhecida como Nova Galícia, onde os primeiros ucranianos chegaram.

Consegui com uma família de faxinal, o senhor Cláudio Lis e a dona Soeli, que me deixassem acampar próximo da casa e resolvi andar pela zona rural empolgado para fotografar, já desistindo da busca pelo emprego.

 

 Plantação de trigo    em comunidade Faxinal na zona rural de Prudentópolis, PR . (Foto Joel Silva / Folhapress.)

Plantação de trigo em comunidade Faxinal na zona rural de Prudentópolis, PR . (Foto Joel Silva / Folhapress.)

 

Casas típicas ucraniana,   em comunidade Faxinal na zona rural de Prudentópolis, PR . (Foto Joel Silva / Folhapress).

Casas típicas ucraniana, em comunidade Faxinal na zona rural de Prudentópolis, PR . (Foto Joel Silva / Folhapress).

No dia seguinte, peguei a estrada de terra para andar cerca de 20 quilômetros até a cidade, quando Arnor Garcia, um motorista que trabalha na prefeitura, passou por mim e me deu uma carona até a cidade. Ao chegar, ele me deixou bem em frente a igreja São Josafat, onde a missa cantada estava sendo realizada.

Resolvi então entrar e assistir. Apesar de não entender nada de ucraniano, fiz meus pedidos por um emprego em português mesmo, afinal, o idioma divino é universal

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Na zona de conflito

Por Joel Silva
27/09/15 06:26

Na cidade de Lapa, interior do Paraná,  900 homens que  compõem as tropas governistas, conhecidos como “pica-paus” (por usarem uniforme azul, vermelho e branco,  as cores do pássaro), são cercados por mais de 3.000 homens das tropas federalistas, conhecidos por “maragatos” (por  muitos deles serem  descendentes de imigrantes da cidade Maragateria, na  Espanha).

Eles  resistiram  por 26 dias, levando  à morte seu general,  Antônio  Ernesto Gosmes Carneiro, conhecido como General Carneiro.

Esta batalha, conhecida como “Cerco da Lapa”, ocorreu após a proclamação da República e onde se iniciou a Revolução Federalista (que foi de  1893 a 1895), uma das mais sangrentas batalhas no Brasil.

Hoje, Lapa é  uma pacata cidade do interior do Paraná, onde vivem  Airton Scharnoveber, 57, com sua mulher, Hilda Scharnoveber. Foram eles que me contaram essa história durante uma carona, em sua velha picape, entre Campo do Tenente e Lapa.

  Airton Scharnoverber, 57 com sua esposa  Hilda  Scharnoverber,54 e sua filha Iza  Scharnoverber, 26   Regiao   cidade de dirigindo em estrada proximo a cidade de Lapa, PR,  onde ocorreu a batalha da revolução confederativa. . Foto Joel Silva / Folhapress.

Airton Scharnoverber, 57, com sua mulher, Hilda Scharnoverber, 54, e sua filha Iza Scharnoverber, 26, dirigindo em estrada próximo à cidade de Lapa, PR, onde ocorreu a batalha da revolução confederativa (Foto Joel Silva /Folhapress)

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,  Ponte estilo inglesa construída   Região   de Lapa, PR e que divide os municípios de Campo do Tenente e Lapa   onde ocorreu a batalha da revolução confederativa. . Foto Joel Silva / Folhapress.

Ponte estilo inglesa, construída Região de Lapa, PR e que divide os municípios de Campo do Tenente e Lapa (Foto: Joel Silva / Folhapress)

Airton é  um trabalhador rural que não costuma dar carona, mas olhou pra mim e viu que eu parecia ser gente boa. Ele havia ido buscar sua filha Iza Scharnoveber, 26, que trabalha em Campo do Tenente.
Ele  conta com orgulho a história da batalha na região, como se a tivesse vivido. Sabe os detalhes e nomes de todos os personagens, inclusive do Gal. Carneiro. Não satisfeito,  fez um “tour” comigo pela cidade para mostrar os pontos turísticos.

”Meu filho, você precisa conhecer esta cidade! É muito linda! Povo acolhedor”, disse ele, pouco antes de eu desembarcar no centro.

Dei uma volta, para ver de perto essa batalha. Visitei a casa onde o Gal. Carneiro morreu e fui até o centro de informações turísticas para buscar mais detalhes.

  Casa onde morreu o Gal Carneiro durante a revolução confederativa na  Região  central  da cidade de Lapa, PR,  onde ocorreu a batalha da revolução confederativa. . Foto Joel Silva / Folhapress.

Casa onde morreu o Gal. Carneiro (Foto: Joel Silva / Folhapress)

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 Aposentados conversam na praça na       Região central    de Lapa, PR,  onde ocorreu a batalha da revolução confederativa. . Foto Joel Silva / Folhapress.

Aposentados conversam na praça na região central de Lapa, PR (Foto: Joel Silva / Folhapress)

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 Crianças brincam próximo  da estatua de Gal.  Carneiro, líder da revolução confederativa      , PR  (Foto: Joel Silva / Folhapress)

Crianças brincam próximo da estatua de Gal Carneiro, líder da revolução confederativa Região central de Lapa, PR. Foto Joel Silva / Folhapress.

Já passava do meio dia e, como de costume, não almocei. Devo ter perdido mais de 3 quilos desde o começo da viagem, dia 14 de setembro. Tive de apertar um buraco a mais no cinto da calça.
Emagreci o proporcional ao meu saldo financeiro e me preocupo em ficar sem dinheiro e ter que pedir por comida. Preciso arrumar logo um trabalho.

Resolvi, então, pegar estrada e consegui chegar à rodovia estadual PR-427, até um posto rodoviário, onde me orientei com os policiais para saber se estava no caminho certo para seguir até a cidade de Irati (PR).

Os policiais foram camaradas e pararam um carro, onde nele estava Marlon, um estudante de Química em Ponta Grossa (também no Paraná), que corria muito e que me deixou no pedágio da BR-277, ligando a cidade de Irati.

Consegui chegar a Irati, onde encontrei um camping sem energia elétrica, mas com banho.

No sábado (26), tentei arrumar algum trabalho como ‘Chapa”, já que nesta cidade tem muitos caminhões de batata, mas descobri que não tinha expediente de caminhoneiros, o que me frustrou a possibilidade de algum bico.

O tempo ameaçava desabar com um temporal no horizonte. O negócio foi  seguir para a cidade de Prudentópolis (PR) e lá tentar um trabalho urgente.

  Temporal na    Região   de Lapa, PR,  onde ocorreu a batalha da revolução confederativa. . Foto Joel Silva / Folhapress.

Temporal na região de Irati, PR ( Foto: Joel Silva / Folhapress)

Consegui, então, uma carona com Hélio Souza, 61, um velho caminhoneiro que dirigia   um velho Ford F-350 baú. Ele levava utensílios para um buffet para uma festa de casamento.

Pensei em arrumar um trabalho como assistente de fotógrafo neste casamento, mas Hélio disse que eu teria de conversar com o fotógrafo da festa. Disse que não podia garantir nada e perguntou se eu entendia de fotografia.

    Helio de Souza com seu velho Forde 350 na cidade de Irai  PR. Foto Joel Silva / Folhapress.

Helio de Souza, 61, com seu velho Forde F-350 (Foto: Joel Silva / Folhapress)

 

 

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Salvo por um corintiano de Carapicuíba

Por Joel Silva
25/09/15 07:03

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Após 10 dias do início desta viagem no  Chui (RG), desembarquei em um  posto na BR-116, logo na saída de Lages, vindo de Cambará do Sul (SC), procurei pelo gerente, Rogerio, e lhe pedi descaradamente um trabalho para pagar minha refeição. Havia passado o dia sem comer nada, e minhas reservas de dinheiro estavam baixas.

Rogerio disse que não tinha nada naquele momento, nem faxina, mas se ofereceu para pagar um prato de comida no restaurante ao lado.

Sem vergonha de dizer, devorei uma montanha de arroz, feijão, um ovo e macarrão. Dez minutos foram o suficiente para o prato estar limpo.

Após o belo jantar, escolhi um depósito abandonado, que fica atrás do posto para passar a noite. O gerente havia autorizado, e os funcionários ainda me ajudaram com caixas de papelão para forrar o piso, que estava sujo. Tirei meu saco de dormir e só abri os olhos com o dia amanhecendo.

Me preparei para pegar uma carona, logo cedo. Fui ao banheiro para um meio banho e já me coloquei próximo às bombas, acreditando que logo sairia dali.

Oito, nove, dez, onze horas da manhã e nada de caronas. Utilizei todas as técnicas de interceptação feita pelos frentistas. Não funcionou. Coloquei a placa com o nome da cidade e nada de aparecer caronas. Pergunta para um,  perguntava para outro e ninguém iria para Santa Cecília, a cidade mais próxima.

Resolvi sair do posto e ir para a BR. Poderia ter mais chances com os carros que não entravam no posto. Uma hora depois e nada. Muitos, ao passar pela minha placa com os dizeres “ Santa Cecilia”, fingiam não ver.

Tentei uma tática suicida: pegar minha mochila e andar pela BR-116. Quem sabe alguém olharia e resolve parar. Porém, retornei ao posto para abastecer minha garrafa de água no bebedouro e, ao entrar, observo um furgão branco com placa de Carapicuíba (SP).

Me aproximei do motorista como se fosse um velho amigo e disse: “ Olá, tudo bem? Você é de Carapicuíba? ”. Ele, sem muita ação e achando ser algum conhecido que ele não reconhecia, disse que sim. Eu, então, expliquei que estava indo para Santa Cecília, cerca 100 quilômetros dali.

Ele, meio sem jeito, disse que iria, porém, que iria demorar. Tinha de almoçar antes. Eu disse que não me incomodaria e esperei.

Aprendi mais uma tática para pegar caronas, se passar por velho amigo.

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O motorista Rodrigo da Silva,  na BR 116, entre Lages e Campo do Tenente, PR  . Foto Joel Silva / Folhapress.

O motorista Rodrigo da Silva, na BR 116, entre Lages e Campo do Tenente, PR . Foto Joel Silva / Folhapress.

Rodrigo da Silva, 36, um corintiano de Carapicuíba, trafega entre São Paulo, (SP) e Porto Alegre, (PA) toda semana. Não é de falar muito, puxou pouca conversa, não me perguntou nada, mas não era mau humorado, apenas quieto.

Eu, então, aproveitei e disse que, se ele pudesse, poderia me deixar na cidade de Campo do Tenente (PR), 270 quilômetros à frente. Ele disse tudo bem.

Rodrigo contou que já foi assaltado. Ao desembarcar uma mulher, dois homens se aproximaram e levaram todo seu dinheiro. Ele diz ter certeza de que a mulher planejou tudo e, por isso, tinha medo de dar caronas. Disse que não usava saias e que ele poderia ficar tranquilo. Ele sorriu e pareceu mais aliviado.

A trilha sonora variou. Foi de sertanejo ao rock, passando por MPB  e até um jazz, conforme as rádios iam saindo da frequência.  Ele sintonizava outra  com todo estilo de música e assim foi a viagem toda.

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 reflexo no retrovisor da   BR 116 entre Lages SC  e Campo do Tenente,, PR  . Foto Joel Silva / Folhapress.

reflexo no retrovisor da BR 116 entre Lages SC e Campo do Tenente,, PR . Foto Joel Silva / Folhapress.

Às 17h, eu desembarquei na pequena cidade de  Campo do Tenente,  e, mais uma vez, fui procurar um canto para passar a noite e, no dia seguinte, seguir para o Leste do Paraná. Com fome e sem almoçar, gastei mais R$ 10 com um prato no pequeno restaurante,  bem na entrada da cidade.
Minha receita caiu para R$ 69,50. Até que sobrevivi bem, sem gastar muito.

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Casas  da cidade  Campo do Tenente, PR  . Foto Joel Silva/ Folhapress

Casas da cidade Campo do Tenente, PR . Foto Joel Silva/ Folhapress

Casas  da cidade  Campo do Tenente, PR  . Foto Joel Silva/ Folhapress

Casas da cidade Campo do Tenente, PR . Foto Joel Silva/ Folhapress

 

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Sol de primavera

Por Joel Silva
24/09/15 07:07

Depois de desembarcar do ônibus que me trouxe de Praia Grande (SC) a Cambará do Sul (RS),  resolvi seguir o conselho do motorista,  Jose Pola,  e peguei a RG-020,  que liga Cambará do Sul a Caxias do Sul.

Andei por um quilômetro pela estrada estadual até chegar em frente a uma fazenda de criação de ovelhas, um vasto campo verde com araucárias por todo lado. Fiquei por ali na expectativa de que conseguisse carona, mas depois de duas horas, nada.

Quando já se passava das 17h, comecei a preparar um plano e tentar  acampar bem próximo à cerca desta fazenda, já que o local era gramado e não havia outro lugar mais plano.

Minutos depois, uma caminhonete nova,  destas importadas,  japonesas,  encostou próximo da porteira de madeiras  pintada de branco.   Era o senhor Roberto, um gaúcho forte, bigode farto, e proprietário da fazenda.

Ele então perguntou se eu precisava de alguma coisa, eu disse que estava tentando  ir  para Caxias do Sul, de carona. Porém,  o dia estava acabando e eu precisava passar a noite ali próximo à cerca de sua fazenda.

Ele ficou por alguns segundos observando minha mochila, e, depois, disse: coloca suas coisas aí atrás e entra aqui.  Não titubeei. Joguei a mochila na caçamba e entrei.

Ele seguiu por uma estrada onde os dois lados tinham gramados lindos, planos, e, em qualquer lugar, serviria para eu montar minha barraca. Ele então parou e apontou para um pequeno morro, com o mesmo gramado e com uma floresta de araucárias. “ Pode montar sua barraca ali e passar a noite aqui, é mais seguro pra você, tchê”, disse ele.

Eu agradeci e disse que logo cedo sairia para a estrada estadual  RG-020, para tentar carona.

A noite foi de lua, com céu claro, e o amanhecer com os primeiros raios de sol do início da primavera. Depois de mais de sete dias sem ver o sol, aquele foi o amanhecer  mais bonito desde que parti do Chuí (RS), no dia 14 de setembro.

Amanhecer de primavera no  acampamento dentro de  fazenda na zona rural de Cambará do Sul, (RG) c  . Foto Joel Silva / Folhapress.

Amanhecer de primavera no acampamento dentro de fazenda na zona rural de Cambará do Sul, (RG) c . Foto Joel Silva / Folhapress.

Desmontei tudo logo cedo e às 8h já caminhava na estrada em direção à rodovia. Quando ouvi uma buzina de longe resolvi parar e olhar para trás:era o senhor Roberto vindo em minha direção.

Vista da fazenda criadora de ovelhas  na zona rural de Cambará do Sul, (RG) c  . Foto Joel Silva / Folhapress.

Vista da fazenda criadora de ovelhas na zona rural de Cambará do Sul, (RG) c . Foto Joel Silva / Folhapress.

Ele parou e disse que estava mandando um de seus funcionários para Lages (SC), buscar um parente dele, e antes iria a Caxias do Sul levar uma peça para o conserto. Perguntou se eu queria uma carona.
Aceitei, informei que na verdade queria ir para Lages (SC) e se ele não se importava de o funcionário me deixar lá. Ele exclamou, “ Quem vai para Caxias, vai para Lages. Você escolhe onde quer ficar”.

Pensei comigo, consegui uma boa carona, sem levantar um dedo.

Ao entrar naquela caminhonete nova, de bancos de couro, fui logo perguntando o nome do funcionário, para iniciar uma conversa, já que a viagem iria durar o dia todo.

O rapaz mal olhou para mim e disse que era Gustavo, ligou o som com uma música sertaneja alta e tocou estrada a dentro, sentido Caxias do sul,  com cara de poucos amigos

Percebi que o rapaz não estava para conversa e criei duas teorias sobre o seu mau humor: ou ele brigou com a namorada ou está insatisfeito com o trabalho.

Como estava cansado, aproveitei e perguntei se ele se importaria se eu descansasse um pouco na viagem. Ele, sem olhar pra mim, balançou a cabeça como positivo. Eu, então, apaguei.

Acordei bem mais tarde, com minha cabeça indo para lá e para cá. Estávamos subindo a serra da Capivara, ainda no Rio Grande do Sul. Aproveitei para fotografar um pouco o trajeto, enquanto o meu amigo mal humorado seguia, como se não existisse ninguém ali do lado.

Rio Capivara, que fica na Serra da Capivara, na   BR 116 que liga Caxia do Sul (RG) a Lages (SC) . Foto Joel Silva / Folhapress.

Rio Capivara, que fica na Serra da Capivara, na BR 116 que liga Caxia do Sul (RG) a Lages (SC) . Foto Joel Silva / Folhapress.

O único momento em que ele se dirigiu a mim foi na chegada a Lages. Já passava das  20h e ele perguntou onde  eu gostaria de ficar. Eu disse que, se  pudesse,  em algum posto movimentado de caminhões para eu tentar uma carona.

Com seu mau humor peculiar, ele disse: “aqui todos os postos tem caminhões”. Para não prolongar mais aquele mau humor, eu  disse: “então  me deixe em qualquer um”.

Ao desembarcar, eu me despedi e agradeci. Ele apenas balançou a cabeça e foi embora.
Meu novo desafio agora era encontrar um canto para passar a noite e no dia seguinte tentar chegar ao interior do Paraná.

 

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Velhos de BR

Por Joel Silva
23/09/15 05:44

Desembarquei do ônibus rural que me trouxe do camping Malacara, em Praia Grande,  (SC), às 12h30 de segunda feira (21) e já fui direto para o trevo que dá acesso à estrada que sobe a Serra Geral, ligando à cidade de Cambará do Sul (RS).

Fiquei ali por quase uma hora. Percebendo a estrada completamente deserta, resolvi caminhar  até a subida da serra, quem sabe tentar algum veículo. Ao iniciar a subida,  vi um senhor com chapéu de palha cortando  o mato na beira da estrada. Resolvi então chamá-lo e perguntar se ali conseguiria carona. Ao se virar, o reconheci. Era o senhor Eneu Selau, 70, que no último domingo estava no bar da Dona Enir, em Malacara. Ele também me reconheceu. Disse que ali era muito ruim. “Meu filho,  aqui você não pega nem gripe”,  exclamou ele sorrindo.  Disse que  uns oito quilômetros  à frente tinha  um restaurante de beira de estrada, da dona Nina, e que ali talvez eu conseguiria.

Imaginei -me subindo aquela estrada íngreme, com 15 quilos de mochila nas costas. Melhor seria eu ficar logo no começo da serra e esperar.  Então subi uns 15 metros mais acima, onde tinha um recuo na estrada, e desci minha carga das costas.

 

  O Sr Eneu Selau, 70 dentro de seu carro  na    estrada subindo a  Serra Geral,  que liga as cidade de Praia Grande SC e Cambara do Sul, RG.  Foto Joel Silva / Folhapress.

O Sr Eneu Selau, 70 dentro de seu carro na estrada subindo a Serra Geral, que liga as cidade de Praia Grande (SC) e Cambara do Sul, (RG). Foto Joel Silva / Folhapress.

Enquanto isso,  o senhor Eneu continuou sua poda. Algum tempo depois,  ele entrou em sua pick-up e desceu, indo embora. Eu apenas o observava, quando de repente, as luzes do freio acenderam e ele começou a dar ré, até o ponto onde eu estava, virou e disse: “entra aí, menino! Esqueci de fazer uma coisa lá em cima e te dou uma carona até o restaurante”.

Desconfiei que ele não havia esquecido nada e fez isso para me dar carona. No caminho, ele me deu um conselho: “olha, menino, se você quer pegar carona, tem que ficar  em pontos movimentados, no meio da estrada ninguém para”. Eu sorri e pensei:  ele está certo.

No restaurante, ele entra chamando pela dona Nina. Ela estava em um canto, fazendo um crochê.  O restaurante estava vazio, já passava das 15h e o almoço já havia sido recolhido.

O senhor Eneu explicou de onde eu vinha e para onde queria ir e pediu para ela me ajudar. Ele se despediu de mim e retornou para Praia Grande.

Dona Nina, 55, ficou ali com seu crochê e foi então que lhe fiz um pedido estranho. Precisava do fogão dela para cozinhar um macarrão instantâneo.

 

 Dona Nina,  53,  em seu restaurante que fica bem no meio  na  estrada subindo a  Serra Geral,  que liga as cidade de Praia Grande SC e Cambara do Sul, RG com forte neblina  Foto Joel Silva / Folhapress.

Dona Nina, 53, em seu restaurante que fica bem no meio na estrada subindo a Serra Geral, que liga as cidade de Praia Grande (SC) e Cambara do Sul, (RG) com forte neblina Foto Joel Silva / Folhapress.

“Meu filho, um homão deste tamanho não se sustenta com macarrão instantâneo. Vou mandar preparar um prato de comida. Só  não  tem carne”,disse ela. Eu aceitei, já pensado nas reservas de dinheiro.

Almocei e quando fui pagar ela então disse que era por conta. Disse com toda sua sabedoria    que eu não conseguiria carona naquele dia e que deveria passar a noite por ali. Arrumou um quarto nos fundos do restaurante, onde passei a noite, já que o restaurante fica dentro do parque nacional da Serra Geral e é proibido acampar. Mais tarde, dona Nina mandou seu genro me levar um sanduíche. Sabia que eu estava com fome.

 

Cabana que fica atrás do restaurante da Dona Nina,   onde fui acolhido.  Foto Joel Silva / Folhapress.

Cabana que fica atrás do restaurante da Dona Nina, onde fui acolhido. Foto Joel Silva / Folhapress.

 

Ela com certeza percebeu que minha situação financeira não era boa e, por isso, não cobrou nada.

 

No dia seguinte, seu marido, conhecido como “Louro”, disse que a estrada continuava vazia e que eu precisaria passar mais uma noite ali, mas dona Nina se lembrou de um ônibus que vai para Caxias do Sul e que passa por ali todo dia perto das 10h.

 

Às 10h45, o ônibus do senhor Jose Pola, 60, para em frente ao restaurante  e embarco para Cambará do Sul. O senhor Jose logo puxou conversa, dizendo que nunca deixou ninguém pra trás naquela estrada, enquanto subia a íngreme serra,  com uma forte neblina.

O motorista  Jose Pola, 60,  que sobe a serra Geral  todos os dias conduzindo  seu ônibus com passageiros na  estrada subindo a  Serra Geral,  que liga as cidade de Praia Grande SC e Cambara do Sul, RG com forte neblina  Foto Joel Silva / Folhapress.

O motorista Jose Pola, 60, que sobe a serra Geral todos os dias conduzindo seu ônibus com passageiros na estrada subindo a Serra Geral, que liga as cidade de Praia Grande (SC) e Cambara do Sul, (RG) com forte neblina Foto Joel Silva / Folhapress.

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  Vista da estrada subindo a  Serra Geral,  que liga as cidade de Praia Grande SC e Cambara do Sul, RG com forte neblina  Foto Joel Silva / Folhapress.

Vista da estrada subindo a Serra Geral, que liga as cidade de Praia Grande (SC) e Cambara do Sul, (RG) com forte neblina Foto Joel Silva / Folhapress.

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Vista dos cânions  subindo a  Serra Geral,  que liga as cidade de Praia Grande SC e Cambara do Sul, RG, Foto Joel Silva / Folhapress.

Vista dos cânions subindo a Serra Geral, que liga as cidade de Praia Grande (SC) e Cambara do Sul, (RG), Foto Joel Silva / Folhapress.

 

Desembarquei em Cambará do Sul às 13h45 e, ao perguntar o preço da passagem, o senhor Jose bateu no meu ombro e disse: “ por conta”. Peguei minha mochila e, ao me despedir ele, me deu um conselho:  “vá para Caxias do Sul. Lá você consegue  carona fácil” e arrancou seu velho ônibus no sentido Caxias do Sul.

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Tchau, Guará

Por Joel Silva
22/09/15 07:36

Depois de cinco dias acampado ao pé do cânion Malacaia, na zona rural de Praia Grande (SC), o domingo (20) foi de ficar no bar da Dona Enir, numa roda de conversa com moradores das proximidades, o Sr Eneu Selau 70,  com um chapéu de palha  fumava um belo cigarro de palha,  outro bebia uma cerveja, ao som da leve chuva que batia no telhado.

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Sr Eneu Selau, 70 fuma cigarro de palha ao lado de outros . Moradores no bar da dona Enir Schimdt, na zona rural de Praia grande, converso em bar   . Foto Joel Silva / Folhapress.

Sr Eneu Selau, 70, fuma cigarro de palha ao lado de outros . Moradores no bar da dona Enir Schimdt, na zona rural de Praia grande, converso em bar . Foto Joel Silva / Folhapress.

 

As conversas ficavam quase todas no mesmo tema: os prejuízos na lavoura com toda aquela chuva, que, segundo eles mesmos, era rara. Me perguntei se eu era o responsável por trazer toda aquela água.

 

A chuva me impediu de ver os cânions, mas me deu a oportunidade de conhecer pessoas simples, que vivem de maneira simples, com uma filosofia de vida baseada em ter somente paz.

 

Na segunda (21), fiz meu café às 7h, coloquei o pão com atum para Guará e comecei a desmontar minha barraca e preparar minha mochila para partir no ônibus rural, que passaria ao meio dia. Meu destino era a cidade Cambará do Sul (RS)

 

Enquanto eu lutava com a dobra da lona, vi dona Enir brigando para apartar algumas cabeças de gado que ela cria, logo a frente do camping. Corri para ajuda-la e Guará foi junto, sem emitir um latido, com habilidade de quem sabia o que estava fazendo. Apenas correu junto aos pés do gado, o que ajudou a colocar a criação no rumo certo.

 

Voltei para a desmontagem da barraca. Guará ficou ali sentado me observando, como sempre fez, nunca latiu, comunicava-se apenas com seu olhar e abanava o rabo quando queria comer.

 

Depois de um tempo, ele se levantou e seguiu rumo à mata, de onde ele saiu na noite em que nos conhecemos. Não liguei, achei que tivesse ido atrás do gado.

 

Perto das 11h, com a mochila nas costas, me despedi da dona Enir Schimitt, do seu Toninho, seu marido, da Dani e do Luca, amigos que fiz nesses dias, e corri os olhos para a mata onde Guará havia entrado horas antes, tentando ver se ele estava por ali.

 

Comecei a caminhar pela estrada de terra. 10 metros a frente do camping, que leva o mesmo nome do Cânion, “Malacaia”, fica o ponto do ônibus. Chamei por Guará umas quatro vezes, mas nem sinal.

 

Enquanto o ônibus não vinha, fiquei ali observando a mata e assobiando. O silêncio foi perturbador, imaginei que ele deveria estar ali escondido, me observando partir e sem querer se despedir. Despedidas são dolorosas.

 

Há vinte anos trabalhando como fotojornalista na Folha, passei boa parte deste tempo viajando. Conheci muita gente, me despedi de muitas também. Sempre foi uma parte dolorosa e com Guará não foi diferente. Mas ele escolheu não se despedir. Antes de pegar o ônibus, abri minha última lata de atum e coloquei bem no lugar onde ficava minha barraca. Peguei o ônibus e fui embora aceitando sua vontade.

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Guará me observando enquanto preparo minha mochila, no Camping Malacara, zona rural de Praia Grande. SC    . Foto Joel Silva / Folhapress.

Guará, me observando enquanto preparo minha mochila, no Camping Malacara, zona rural de Praia Grande. SC . Foto Joel Silva / Folhapress.

 

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A doce vida ao pé do malacara

Por Joel Silva
20/09/15 08:45

A chuva deu sinais de alívio,  na zona rural de Praia Grande, (SC), mas o tempo continua encoberto no meu terceiro dia no camping; o sexto, desde o início da viagem.

Uma densa neblina cobria tudo a minha frente. Saí da barraca, com o Guará farejando meus pés e balançando o rabo, como quem pede comida. Preparei meu o café, água quente com pó de cappuccino, e, para o Guará, pão com um pouco de atum.

Com mais um integrante na família, resolvi caminhar por quatro quilômetros na estrada de terra até uma pequena mercearia para comprar mais macarrão instantâneo e atum para meu amigo. Gastei mais R$ 14,00 rebaixando minhas economias para R$ 79,50, deixando minha situação financeira perigosamente no vermelho.

Logo na primeira curva, encontro um carro de boi carregado de bananas. Resolvi levantar o dedo polegar e tentar uma a carona. O senhor, que conduzia o veículo de tração animal, balançou a cabeça com sinal de positivo, e nem precisou parar: de tão lento que trafegava  pulei e já logo sentei no pedaço de madeira que separava a carga do traseiro dos bois.

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  Osvaldir dos santos, em seu carro de boi levando bananas para a cidade d eParia Grande.    . Foto Joel Silva / Folhapress.

Osvaldir dos Santos, em seu carro de boi levando bananas para a cidade de Paria Grande. . Foto Joel Silva / Folhapress.

Osvaldir dos Santos, 50, faz carretos levando bananas de uma plantação próxima para a cidade de Praia Grande (SC), ganha R$ 50,00 por carreto e consegue fazer umas três viagens por dia. “Faria mais, mas os bois não aguentam”,  diz ele enquanto balança o arreio, tocando os bois para acelerar.

A vida na zona rural de Praia Grande segue como o carro de boi de Osvaldir, lentamente, sem pressa de chegar a lugar algum.

Assim como a dona Enir Schimitt, 55, que tem um pequeno bar próximo a entrada do cânion Malacara, e tem, como quintal, a vista dos cânions. Vive ali desde de seu nascimento, disse que já saiu algumas vezes da região, mas foi só a Porto Alegre e voltou.

“Prefiro ver o mundo de longe, pela TV”, exclama apoiada no beiral do balcão de seu bar, vazio por conta das chuvas que caem.

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Nair Schimitt, 55, em seu bar na zona rural de Paria Grande. Foto Joel silva/ Folhapress

Enir Schimitt, 55, em seu bar na zona rural de Paria Grande. Foto Joel silva/ Folhapress

Dona Enir é vizinha do camping onde montei minha barraca, e por duas vezes me ofereceu açúcar para adoçar meu café.

O tempo à tarde abriu um pouco, o suficiente para conseguir ver a entrada dos cânions. Consegui que um casal de guias, Dani e Luca, me levasse até o rio que desce da cachoeira do cânion Malacara. Foi o mais próximo que consegui chegar, já que  chovia no alto e era perigoso o rio encher de repente.

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  Vista do rio Malacara ao fundo  entrada do canion que leva o mesmo nome, na zona rural de Paria Grande.    . Foto Joel Silva / Folhapress.

Vista do rio Malacara ao fundo entrada do canion que leva o mesmo nome, na zona rural de Paria Grande. . Foto Joel Silva / Folhapress.

Sem chance de o tempo melhorar e frustrado por não entrar na trilha do Malacara, a decisão é subir para Cambará do Sul (RS) na segunda feira e tentar uma vista de cima.

No domingo, o ônibus escolar não passa e a cidade fica cerca de oito quilômetros de distância, mais de uma hora de caminhada. É arriscado eu seguir com uma mochila de 15 kg nas costas a pé, com a chuva ameaçando a cada hora… O jeito é ficar e curtir o tempo ao lado de Guará, que me observa atentamente sentado ao meu lado, enquanto escrevo este texto..

   Guara me vigiando enquanto eu escrevo este post    . Foto Joel Silva / Folhapress. ***BLOG MALUCO DE BR***

Guara me vigiando enquanto eu escrevo este post . Foto Joel Silva / Folhapress.

 

 

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