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Andanças pelas estradas do país

Perfil Joel Silva é fotojornalista na Folha

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O meu amigo Guará

Por Joel Silva
19/09/15 07:35

Minha segunda noite no camping da zona rural de Praia Grande (SC) e quinto dia de viagem desde o Chuí (RS), foi a noite dos horrores.

A chuva torrencial não deu o menor sinal de alivio. Deitado na barraca, ouvia as pedras de granizo que começaram a cair em cima da lona preta, que havia comprado e que conseguiu prevenir os furos na minha barraca –bendita hora em que gastei os R$ 6,00 para esta proteção. A chuva havia destruído mais de mil casas em todo Estado do Rio Grande do Sul mas a lona preta protegeu minha improvisada moradia.

Trovões e clarões provocados por raios, me faziam lembrar a cobertura dos conflitos na Líbia, que fiz ao lado do repórter Marcelo Ninio: enquanto dormia no hotel, ouvia os bombardeios do Gaddafi na periferia da cidade de Ajdabiya.

Como se não bastasse toda aquela chuva, na madrugada fui acordado por um animal atrás da minha barraca. Com minha lanterna, coloquei o rosto para fora e percebi o vulto correndo entre a mata, que fica bem atrás, e seguiu para debaixo da cobertura do camping.  Saí debaixo daquela chuva e fui atrás. Ao chegar mais perto vi o que parecia ser um lobo-guará, bem comum na minha região na serra da Canastra, próximo a minha terra natal.

Me aproximei devagar –ele estava acuado em um canto– para não o assustar e também não me colocar em risco, optei por ficar distante, mas minha lanterna não iluminava direito.

Até que ele se mexeu e saiu da escuridão: era um cachorro, molhado e faminto. Fui até a velha geladeira, abri uma  lata de atum, fiz um sanduíche de pão de forma com atum e o chamei. Mesmo demonstrando medo, ele se aproximou e devorou o lanche em segundos. Enquanto comia tremia de frio, eu o batizei de Guará, por se parecer muito com a espécie de lobo aqui do Brasil. Sendo eu o único morador do local, Guará se tornou meu novo companheiro.

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Alimentando o Guará  dentro do camping onde montei minha barraca em Praia Grande SC   . Foto Joel Silva / Folhapress.

Alimentando o Guará, dentro do camping onde montei minha barraca, em Praia Grande SC . Foto Joel Silva / Folhapress.

Com dia claro, acordei as 7h, ainda com chuva. Resolvi então aproveitar o tempo ocioso para lavar algumas roupas, preparar um almoço baseado em macarrão instantâneo com atum e agora alimentar o Guará, que ainda  permanecia por  ali o tempo todo.

Perto das 12h, embarquei de novo no ônibus escolar rural com destino a cidade, para ver se desta vez tenho sorte em arrumar algum emprego.

No caminho o motorista para abruptamente, logo a frente o rio Malacara, que nos dias anteriores se conseguia atravessar sem problemas. Desta vez, o nível e a correnteza estavam de assustar até mesmo as crianças acostumadas naquele trecho. Mesmo assim o motorista avançou e conseguiu passar sem muita dificuldade, mas gerando uma pequena gritaria por parte das crianças ali dentro.

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   Motorista de ônibus escolar rural, observa rio cheio e forte correnteza para atravessar, na zona rural de  Praia Grande SC   . Foto Joel Silva / Folhapress.

Motorista de ônibus escolar rural, observa rio cheio e forte correnteza para atravessar, na zona rural de Praia Grande SC . Foto Joel Silva / Folhapress.

Depois de mais um dia sem sucesso na busca de algum trabalho, senti de perto o que é ficar desempregado, tendo que controlar o orçamento de R$ 93,50 para não passar fome, agora, tendo mais uma boca para alimentar, o meu  mais novo amigo, o  Guará.

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  Vista da entrada  do cânion Cambara, em Praia Grande SC   . Foto Joel Silva / Folhapress.

Vista da entrada do cânion Malacara, em Praia Grande SC . Foto Joel Silva / Folhapress.

Preocupado, decidi que se amanhã o tempo não melhorar e eu não conseguir fotografar os cânions, vou desmontar o acampamento e seguir para Cambará do Sul (SC), subindo o parque nacional da Serra Geral.

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Vendendo jornal velho

Por Joel Silva
18/09/15 08:02

No meu quarto dia de caminhada, consegui um camping em uma zona rural,  a 6 quilômetros de Praia Grande (SC). Montei minha barraca debaixo de uma chuva torrencial,  dormi  com o barulho da  chuva batendo na  lona e acordei na madrugada,  com ela toda encharcada por dentro. Em meus dias  de caminhada, esta noite foi a mais difícil. Tive que secar com uma toalha toda barraca.

Na manhã seguinte, meu projeto era ir aos cânions aqui do sul, porém, com a chuva estavam todos fechados e a previsão é a de que se mantenham assim até domingo.  O negócio então foi  eu ficar por ali, já que o local  tem banheiro com água quente, fogão e uma velha geladeira.  Fui para a Praia Grande de carona em um ônibus escolar, comprar mantimentos e tentar algum trabalho para me manter até domingo (20).

 

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Alunos de zona rural viajam de ônibus escolar para  cidade de Praia Grande, SC  . Foto Joel Silva / Folhapress.

Alunos de zona rural viajam de ônibus escolar para cidade de Praia Grande, SC . Foto Joel Silva / Folhapress.

A cidade parecia estar em pleno feriado com as ruas vazias. Tentei emprego nos postos de gasolina, mercados e até  no centro de apoio ao trabalhador, onde a moça me ofereceu uma vaga de cuidador de idoso. Eu recusei, já que meu trabalho era para ser temporário, de no máximo três dias, até que a chuva passe e eu consiga chegar aos cânions.

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 Região central vazia da cidade de Praia Grande, SC  . Foto Joel Silva / Folhapress.

Região central vazia da cidade de Praia Grande, SC . Foto Joel Silva / Folhapress.

Entre uma conversa e outra, descobri que uma loja de material de construção sempre pega temporário para entrega de materiais, mas o dono não estava.

Percebi então o tamanho da crise no Brasil, andando por aquela pequena cidade de lojas vazias.  Em uma  uma imobiliária, tinha um cartaz na porta onde se lia: “estou perto, ligue”, com o número escrito,  acredito que o proprietário cansou de esperar por algum cliente que queira  alugar ou comprar imoveis. Em outro cartaz, desta vez em uma loja de brinquedos e presentes, estavam vendendo até jornal velho.

 

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Placa colocada em porta de imobiliária, na região central da cidade de Praia Grande, SC  . Foto Joel Silva / Folhapress.

Placa colocada em porta de imobiliária, na região central da cidade de Praia Grande, SC . Foto Joel Silva / Folhapress.

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 Placa vendendo jornal velho fixada em vitrine de loja de presentes na região  de Praia Grande, SC  . Foto Joel Silva / Folhapress.

Placa vendendo jornal velho, fixada em vitrine de loja de presentes na região de Praia Grande, SC . Foto Joel Silva / Folhapress.

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 Academia de ginastica fechada,  na  cidade de Praia Grande, SC  . Foto Joel Silva / Folhapress.

Academia de ginastica fechada, na cidade de Praia Grande, SC . Foto Joel Silva / Folhapress.

Percorrendo a cidade deserta, parecia cena de filme de terror, onde somente eu estava nas ruas.

No final do dia, sem conseguir emprego, fui fazer as compras, não esquecendo de uma lona plástica para cobrir minha barraca, já que a previsão era de mais chuvas e granizo à noite e eu não estava disposto a acordar na madrugada para enxugar a barraca . Gastei mais R$ 37,00 no supermercado e  R$ 6,00 com a lona plástica. Agora me restam R$ 93,50.

 

Às 17h, peguei carona no mesmo ônibus escolar de volta a zona rural de Praia Grande.

 

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Três caronas, duas refeições

Por Joel Silva
17/09/15 11:03
Após ser abandonado pelo Mujica à noite na beira da estrada, caminhei por alguns quilômetros e encontrei refúgio num ponto de ônibus feito de concreto. Os raios no horizonte anunciavam uma tempestade.

Depois de 20 minutos, um ônibus com itinerário “Rio Grande” se aproximou e fiz sinal. Ao abrir a porta, o motorista anunciou o preço: R$ 10. Sem muita opção, embarquei nesta carona remunerada.

O motorista me deixou bem perto da balsa que atravessa para a cidade de São José do Norte. Logo na saída da balsa, já do outro lado, um pequeno restaurante servia um PF. Resolvi gastar R$ 15 e matar minha fome, me deixando com um total de R$ 136,50.

Ali perto, encontrei uma velha cabana de madeira abandonada atrás de um posto de gasolina. Nem precisei montar a barraca, entrei dentro do saco de dormir e fechei os olhos.

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  Barraco de madeira abandonado no fundo de um posto de gasolina, próximo a BR 101 no  RS . Foto Joel Silva / Folhapress.

Barraco de madeira abandonado no fundo de um posto de gasolina, próximo a BR 101 no RS (Foto Joel Silva/Folhapress)

A noite foi de raios, trovões e granizo, e pela manhã pouca coisa mudou. O granizo já não caía mais, mas os raios corriam pela minha frente. Peguei a BR 101 debaixo da chuva.

Encontrei um posto de gasolina e entrei. Fiz amizade com os frentistas, que me desiludiam, dizendo que pegar carona nesta rodovia com chuva é fracasso certo. De qualquer forma, não tinha outra opção senão ficar ali.

Pedi para os funcionários do posto me informarem se algum cliente fosse para Tavares, cidade a cerca de 100 km dali. Logo um frentista correu em minha direção, como se viesse anunciar que eu ganhara um prêmio na loteria.

“Rapaz, o dono daquela troller tá indo para Santa Catarina e pode te levar”. Eu me aproximei e pedi para me levar até Tavares.

Albert Henchemaier, um jovem técnico em mecânica que trabalha para o irmão em uma empresa de dragagem no canal de Rio Grande (RS) mas mora com a família em Imbituba (SC), destino da sua viagem.

A estrada, sempre reta e cercada de banhados com a chuva que insistia em cair a viagem toda. No caminho um grupo de tradicionalistas seguiam para um encontro da semana Farroupilha, pedi então ao Albert, que em vez de me deixar em Tavares, me deixasse em Torres, dali seguiria pela SC 450 para Praia Grande. Ele disse que eu poderia escolher onde gostaria de ficar.

Grupo de tradicionalistas gaúchos, caminham debaixo de chuva para encontro da semana Farroupilha. na BR 101. , Foto Joel Silva / Folhapress.

Vista da BR 101 (Foto Joel Silva/Folhapress)

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Grupo de tradicionalistas gaúchos cavalgam debaixo de chuva seguindo  para encontro da Semana Farroupilha, na BR 101 no  RS . Foto Joel Silva / Folhapress.

Grupo de tradicionalistas gaúchos cavalgam debaixo de chuva seguindo para encontro da Semana Farroupilha, na BR 101 no RS (Foto Joel Silva/Folhapress)

Mais de 4 horas de viagem em conversas que iam de trabalho, família, filosofia e mecânica, assunto preferido do Albert.

No caminho, ele disse que já havia almoçado mas pergunta se eu gostaria de almoçar. Eu, com meu estômago roncando, disse para não se incomodar, imaginava que ele estava com pressa de chegar em casa e ver a família e que não queria atrasar sua viagem. Ele sorriu e ofereceu parar em um ponto na estrada onde servem o melhor pastel da região.

De fato, o pastel com farto recheio de carne, queijo e ovos, serviu como um almoço. Na hora de ir embora, Albert insistiu e pagou a conta. Disse que era um prazer viajar comigo e que ficaria feliz em bancar.

Próximo a Torres, o celular de Albert tocou. Um pequeno problema com uma das dragas fez com ele passasse do ponto onde iria me deixar. Seis quilômetros a frente paramos em um outro posto.

Visivelmente chateado por ter me deixado fora do ponto, ele me adicionou em uma rede social e me desejou sorte, antes de seguir para sua família em Imbituba.

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 O jovem Albert Henchemaier dentro  ao lado da sua Troller ,  na cidade de Torres, RS . Foto Joel Silva / Folhapress.

O jovem Albert Henchemaier dentro ao lado da sua Troller , na cidade de Torres, RS (Foto Joel Silva/Folhapress)

Não fiquei por muito tempo nesse posto. Usei a mesma estratégia de usar os frentistas como interceptadores de carona. Funcionou: logo embarquei com o Seu João, um senhor sem muita conversa, bigode farto e que tinha no painel de sua caminhonete uma toalha do Grêmio e um chapéu de palha. Ele disse que nunca dava caronas, mas que aceitou porque os frentistas indicaram. Foi a carona mais curta, seis quilômetros. Ele me deixou bem no começo da SC 450, em outro posto, onde pediu ao frentista, conhecido como Alemão, que me ajudasse com outra carona.

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 Chapéu com toalha do Grêmio dentro de caminhonete na cidade de Torres, RS . Foto Joel Silva / Folhapress.

Chapéu com toalha do Grêmio dentro de caminhonete na cidade de Torres, RS (Foto Joel Silva/Folhapress)

A noite caiu e logo minha carona chegou, o agitado e simpático Guilherme, dentro de um Vectra prata ao som de música sertaneja.

Depois de 20 minutos, ele me deixou em frente a uma lanchonete, na pequena cidade de Praia Grande e ordenou ao funcionário para me servir o lanche que eu escolhesse e colocasse na sua conta, sem que eu dissesse nada sobre comida ou fome. “Se você tá pegando carona, é porque tá sem dinheiro para comer. Já fui caminhoneiro e sei como é essa vida”, disse ele, arrancado seu carro cidade a dentro.

Alimentado, o desafio agora era procurar um canto pra dormir.

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Carona com Mujica

Por Joel Silva
16/09/15 09:43
Acordei às 6h, depois de passar a noite ao lado das grandes turbinas eólicas, e, após uma hora para desmontar a barraca e arrumar a mochila, peguei a estrada de volta. Enquanto isso, tomei meu café da manhã, duas maçãs.Um uruguaio vindo de Barra do Chuí parou no acostamento e a primeira carona oficial chegou. Ao entrar coloquei o cinto e perguntei seu nome. Disse que se chamava Ariel Egurem, mas que era mais conhecido como Lito.Ele perguntou pra onde eu ia. Disse que meu objetivo é chegar ao Norte, bem no Amapá, mas que naquele momento ficaria feliz de chegar à BR 471. Ele, que estava concentrado no volante, voltou os olhos assustados para mim, e perguntou: “e você vai como?”

Disse que ia de carona e acrescentei que estava escrevendo um blog sobre a viagem. Ele sorriu e disse que precisaria de muita carona. Comentou que era adepto do Santo Daime e que já estivera no Acre.

Conheceu também o cartunista Glauco, morto em 2010, e que já esteve em seu sítio, próximo de São Paulo. Iria explicar que eu também o conhecia, por trabalhar no mesmo jornal, mas a carona estava chegando ao fim. Desci do carro bem perto da alfândega onde um dia antes tentava pegar carona, e, antes de ir embora, ele me disse para lhe enviar o blog que gostaria de ler, anotei e ele então seguiu em frente.

Após três horas sem sucesso na alfândega , percebi que ali não era um bom lugar para pegar carona. Mudei de estratégia de novo e comecei a caminhar pela estrada. Funcionou na rodovia estadual ERS 699, deveria funcionar na Br 471. Comi minhas últimas fatias de pão de forma com a última lata de sardinha antes de partir.

Bingo. 15 minutos de caminhada e um caminhão com placa do Uruguai estacionou logo à minha frente. Com certeza não queria pedir informação, por isso corri meio desengonçado com a mochila pesada nas costas e subi na cabine, ajeitando minhas coisas nos pés antes de cumprimentar o motorista.

Até aí os uruguaios estavam em vantagem comigo. Até que o velho caminhão seguiu na extensa reta da estrada que corta os banhados do Rio Grande do Sul.

Caminhão corta estrada próximo a cidade  Rio Grande, RS  . Foto Joel Silva / Folhapress. ***BLOG MALUCO DE BR***

Caminhão corta estrada próximo à cidade de Rio Grande, RS (Joel Silva/Folhapress)

Perguntei seu nome. Ele diz bem alto: “Meu nome é Mujica”, em tom de orgulho.Você tem o mesmo sobre nome que o ex-presidente do Uruguai? Ele disse que não no documento, mas que o adotou em homenagem ao uruguaio.E começou um longo discurso, dizendo que Mujica era um revolucionário e o mundo não o reconhecia. “O mundo não legalizou a maconha e o Uruguai sim”, disse ele.

Duas horas de conversa sobre Mujica, liberação da maconha e tudo mais, eu tirei minha câmera da bolsa. Comecei a fotografar a estrada, com a intenção de, depois, tirar uma foto dele.

Foi quando sua expressão facial mudou e ele perguntou o que eu estava fazendo. Expliquei que era fotógrafo e que estava registrando minha viagem.

Com um tom mais sério ele pediu que eu parasse. “Fotos no meu caminhão eu não permito!”, exclamou.

Sem entender o que estava acontecendo, desliguei e resolvi não insistir.

O silêncio tomou conta da cabine. Quando faltavam uns 50 quilômetros para chegar ao meu destino, a cidade de Rio Grande, ele parou no acostamento e disse que só poderia me levar até ali porque tinha que entrar numa cidade logo à frente para fazer manutenção do caminhão.

Achei estranho, mas não tinha outra opção. Antes de descer, fui cumprimentá-lo pela carona e percebi que, na capa do seu celular, que estava entre os bancos, havia um adesivo com um desenho de uma folha de maconha e a palavra “cannabis”. Desconfiei que ali estava o motivo de não poder fotografar dentro do caminhão, já que dentro do Brasil apologia à maconha ainda é crime.

Desci no escuro e sem ter um segundo plano em mente. Resolvi caminhar pela estrada até encontrar um louco que desse carona para um andarilho a noite.

 

Vista da BR 471 que liga Chui a cidade de Rio Grande, RS  . Foto Joel Silva / Folhapress. ***BLOG MALUCO DE BR***

Vista da BR 471, que liga Chuí à cidade de Rio Grande, RS (Joel Silva/Folhapress)

 

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Ao sabor dos ventos

Por Joel Silva
15/09/15 10:01
No primeiro dia, andei por cerca de 20 minutos até chegar em um posto, ainda próximo ao Chuí. Fiquei ali em uma das saídas por duas horas e não consegui sequer que alguém olhasse para mim. Tentei, então, abordar uma das frentistas, que me deu uma dica valiosa: “siga mais adiante, que no posto alfandegário você consegue carona fácil”. Aceitei a sugestão e peguei a estrada rumo ao norte.Do meu lado direito, imensas turbinas de uma usina eólica giravam conforme o vento frio corria entres suas paletas.

CHUI RG, BRASIL. 15-09-2015,  Usina Eolicas ao lado da rodovia ERS 699 proximo ao Chui.   . Foto Joel Silva / Folhapress. ***BLOG MALUCO DE BR***

Usina Eólicas ao lado da rodovia ERS 699, próximo a Chui. . Foto Joel Silva/Folhapress

Após cerca de meia hora de caminhada, cheguei ao posto alfandegário. Depois de mais duas horas parado ali, nada de carona. Alguns motoristas buzinavam ao meu sinal com dedo polegar, mas se esqueciam de parar para que eu entrasse.

Comecei a refletir se depois de 26 anos sem pegar uma carona eu estava fazendo a coisa certa. Existe uma nova técnica para pegar carona?O tempo passava e a tarde avançava com o sol descendo no horizonte. Foi então que troquei de estratégia, resolvi acampar por perto e, no dia seguinte, seguir.

A BR estava muito barulhenta e por isso resolvi pegar a rodovia estadual ERS 699, que leva à Barra do Chuí, uma vila no litoral gaúcho, até achar um bom lugar para montar minha barraca.

Depois de alguns minutos de caminhada, um carro bem velho, que soltava uma nuvem de fumaça pelo escapamento e fazia barulho como se fosse um carro de Fórmula-1, passou por mim e parou. Dentro, um jovem de óculos escuros com uma mulher me pergunta se eu queria carona. Disse apenas que estava próximo do local onde ia e agradeci. Ele arrancou, me cobrindo da fumaça preta do escapamento.

Minutos depois, outro veículo. Desta vez, uma caminhonete Toyota branca, nova e cara. O motorista uruguaio, que estava com a família, abriu a porta pedindo pra eu entrar. Novamente, agradeci, disse que estava perto e que não precisava.

A vida é engraçada. Algumas horas atrás eu implorava por uma carona para o norte. Quando resolvi seguir para o leste, em menos de 10 minutos apareceram duas caronas.

Alguns metros à frente, encontrei um local. Resolvi ficar por ali, embaixo de uma placa amarela que me protegeria do vento. Ao fundo, enormes hélices da usina eólica giravam conforme os ventos gelados sopravam do litoral.

Nesta noite dormi ao sabor do vento.

Barraca montada   Usina Eólicas ao lado da rodovia ERS 699 próximo ao Chui.   . Foto Joel Silva / Folhapress. ***BLOG MALUCO DE BR***

Barraca montada perto de usina eólica ao lado da rodovia ERS 699, próximo a Chuí. Foto Joel Silva/Folhapress

,  Usina Eólicas ao lado da rodovia ERS 699 próximo ao Chui.   . Foto Joel Silva / Folhapress. ***BLOG MALUCO DE BR***

Usina Eólicas ao lado da rodovia ERS 699, próximo a Chuí. Foto Joel Silva/Folhapress

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Saindo do Chuí rumo ao Brasil

Por Joel Silva
14/09/15 13:09
Inicio da BR 471, no Brasil, onde iniciei minha jornada

Inicio da BR 471, no Brasil, onde iniciei minha jornada

Em 1989, o Brasil era bastante diferente de agora. E eu também. Ou melhor, nem tanto.

Naquela época, aos 24 anos, deixei o conforto da casa onde vivia com a família, no interior de São Paulo, com uma ideia maluca na cabeça: viajar Brasil afora, sem um tostão no bolso, contando com a sorte de conseguir bicos à beira da estrada, para ter o que comer e dormir, e com caronas para seguir adiante.

Entre vários apuros –sim, uma experiência como essa não é feita apenas de romantismo–, lembro de desembarcar, vindo de Brasília, em Uberaba, no Triângulo Mineiro. O sol estava quente, o asfalto parecia derreter e eu… não comia havia dois dias.

Após andar, ou melhor, me arrastar por alguns quilômetros, vi uma estrada de terra cercada por eucaliptos e decidi seguir por ela, que levava até uma fazenda de criação de gado. Estava disposto a qualquer tipo de trabalho por um prato de comida.

Logo uma grande nuvem de poeira surgiu no fim da estrada. Era carro, um Monza Classic verde escuro que parou. Do banco de trás, uma senhora de cabelos brancos abaixou o vidro elétrico, luxo à época, e perguntou: “Posso saber o que o senhor deseja?”

Expliquei minhas intenções e ela, após percorrer os olhos sobre mim e observar minha mochila, me orientou a seguir adiante, deu meia volta e desapareceu sob a nuvem de poeira.

Fui recebido por uma funcionária, Dolores, que tinha acabado de fazer o almoço. Ao ver um caldeirão com uma mistura de arroz, feijão e pedaços de carne, bem mineiro, nem aguardei o prato: devorei ali mesmo, com a colher que deveria ser usada para me servir.

“Rapaz, você tava com fome, hein?”, disse o administrador da fazenda, assustado e dizendo em seguida que tinha ordens de lhe dar alguma tarefa, ele então selou um cavalo e fomos recolher o gado no pasto.

Naquela tarde, senti uma sensação de liberdade que me marcou: cavalguei pelo pasto seco do inverno, seguindo os ensinamentos do seu Antônio de como recolher o gado.

Após passar a noite em um balcão da fazenda, comi um pão e tomei um copo de leite, agradeci aos amigos, que em nenhum momento indagaram de onde vinha e para onde iria, e desapareci na estrada de terra. Senti que os dois ficaram ali, me observando sumir na poeira, tentando imaginar as repostas para as perguntas que não me fizeram.

Hoje, 26 anos depois, (bem) mais velho, decidi repetir essa experiência. A ideia é me reencontrar com gostos, cheiros e visuais de um Brasil só possíveis nos grotões do país. E, se possível, com a sensação de liberdade vivida naquela tarde em que cavalguei por aquele pasto seco atrás do gado.

Levando comigo apenas uma mochila com algumas roupas, uma barraca com um saco de dormir e exatamente R$ 176,50 no bolso para iniciar esta viagem.

E enfim, às 11h do dia 14 de setembro de 2015, uma segunda-feira gelada, desembarco na pequena rodoviária de Chuí, no Rio Grande do Sul, que é onde começo minha longa viagem.

A pequena rodoviária de Chuí, RS

A pequena rodoviária de Chuí, RS

Pego minha mochila no bagageiro e começo a caminhar pela cidade em busca de uma lanchonete para um café. Checo minhas finanças e descubro que vou iniciar com um total de R$ 176,50.  Compro um saco de pão de forma, duas latas de sardinha e algumas maçãs, para o lanche da estrada, abatendo mais R$ 25, me deixando exatamente com R$ 151,50.

Desço mais alguns quarteirões sentido ao sul da cidade, chegando na av. Uruguai, a última avenida brasileira, que chega até a BR 471. Já na BR, olho para direita sentido sul e vejo uma imensa placa transversal na rodovia, indicando que ali inicia-se a República Oriental Do Uruguai, volto os olhos para o norte, à esquerda, e uma outra placa diz “Bem-vindo ao Brasil”. 

Por alguns minutos fiquei ali parado, observando aquela estrada vazia e silenciosa. Isso me fez imaginar a av. Paulista naquele momento, o centro nervoso de São Paulo, com seus pedestres apressados, carros disputando espaço com os ônibus, ônibus disputando espaço com os ciclistas, tudo isso ao som de buzinas e barulhos de motores acelerando.

  Às 13h, sentindo o vento gelado vindo do litoral, resolvo, então, iniciar minha caminhada na BR 471, vazia e silenciosa, sem pressa de chegar a lugar algum.

Veículo estacionado em rua de Chuí, RS

Veículo estacionado em rua de Chuí, RS

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