O meu amigo Guará
19/09/15 07:35Minha segunda noite no camping da zona rural de Praia Grande (SC) e quinto dia de viagem desde o Chuí (RS), foi a noite dos horrores.
A chuva torrencial não deu o menor sinal de alivio. Deitado na barraca, ouvia as pedras de granizo que começaram a cair em cima da lona preta, que havia comprado e que conseguiu prevenir os furos na minha barraca –bendita hora em que gastei os R$ 6,00 para esta proteção. A chuva havia destruído mais de mil casas em todo Estado do Rio Grande do Sul mas a lona preta protegeu minha improvisada moradia.
Trovões e clarões provocados por raios, me faziam lembrar a cobertura dos conflitos na Líbia, que fiz ao lado do repórter Marcelo Ninio: enquanto dormia no hotel, ouvia os bombardeios do Gaddafi na periferia da cidade de Ajdabiya.
Como se não bastasse toda aquela chuva, na madrugada fui acordado por um animal atrás da minha barraca. Com minha lanterna, coloquei o rosto para fora e percebi o vulto correndo entre a mata, que fica bem atrás, e seguiu para debaixo da cobertura do camping. Saí debaixo daquela chuva e fui atrás. Ao chegar mais perto vi o que parecia ser um lobo-guará, bem comum na minha região na serra da Canastra, próximo a minha terra natal.
Me aproximei devagar –ele estava acuado em um canto– para não o assustar e também não me colocar em risco, optei por ficar distante, mas minha lanterna não iluminava direito.
Até que ele se mexeu e saiu da escuridão: era um cachorro, molhado e faminto. Fui até a velha geladeira, abri uma lata de atum, fiz um sanduíche de pão de forma com atum e o chamei. Mesmo demonstrando medo, ele se aproximou e devorou o lanche em segundos. Enquanto comia tremia de frio, eu o batizei de Guará, por se parecer muito com a espécie de lobo aqui do Brasil. Sendo eu o único morador do local, Guará se tornou meu novo companheiro.
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Com dia claro, acordei as 7h, ainda com chuva. Resolvi então aproveitar o tempo ocioso para lavar algumas roupas, preparar um almoço baseado em macarrão instantâneo com atum e agora alimentar o Guará, que ainda permanecia por ali o tempo todo.
Perto das 12h, embarquei de novo no ônibus escolar rural com destino a cidade, para ver se desta vez tenho sorte em arrumar algum emprego.
No caminho o motorista para abruptamente, logo a frente o rio Malacara, que nos dias anteriores se conseguia atravessar sem problemas. Desta vez, o nível e a correnteza estavam de assustar até mesmo as crianças acostumadas naquele trecho. Mesmo assim o motorista avançou e conseguiu passar sem muita dificuldade, mas gerando uma pequena gritaria por parte das crianças ali dentro.
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Depois de mais um dia sem sucesso na busca de algum trabalho, senti de perto o que é ficar desempregado, tendo que controlar o orçamento de R$ 93,50 para não passar fome, agora, tendo mais uma boca para alimentar, o meu mais novo amigo, o Guará.
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Preocupado, decidi que se amanhã o tempo não melhorar e eu não conseguir fotografar os cânions, vou desmontar o acampamento e seguir para Cambará do Sul (SC), subindo o parque nacional da Serra Geral.